Seminário aborda trabalho, saúde, cuidados, misoginia e violências
Evento aconteceu ao longo de todo o dia e teve atividades culturais e formativas
Publicado: 04 Dezembro, 2023 - 17h51 | Última modificação: 04 Dezembro, 2023 - 17h59
Escrito por: Marina Maria
O último sábado (2) foi lotado de debates aprofundados sobre a vida das mulheres e o espaço das mesmas no trabalho, na política, na sociedade, na representação da mídia e em várias outras esferas. A atividade, que aconteceu no Teatro dos Bancários, faz parte da campanha 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres. Além de três painéis de debate, o Seminário “Viva Sem Violência” incluiu também atrações culturais, exposição de livros, de peças de artesanato e coquetel.
A campanha conta ainda, na próxima sexta-feira (8), com um cine debate sobre o filme “Verde Esperança”, que vai acontecer no auditório da CUT-DF e, no sábado (9) com uma imersão de mulheres que será realizada pelo Sinpro/DF.
“A atividade foi muito rica e contou com participantes extremamente qualificadas. Parabenizamos as bancárias pela organização deste evento, pela seleção das palestrantes e pelos temas abordados. Com toda certeza, saímos com mais embasamento para as nossas lutas, e com questionamentos fundamentais para avançarmos em defesa da sociedade que nós acreditamos ”, avaliou a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT-DF, Thaísa Magalhães.
Misoginia e cuidados
Um dos painéis de debate da atividade foi sobre as políticas que o governo federal está construindo para o combate à misoginia e a valorização dos trabalhos de cuidado, que atualmente recaem de forma massiva sobre as mulheres. De acordo com pesquisa divulgada no seminário, elas dedicam mais que o dobro do número de horas semanais ao cuidado doméstico e de cuidado não remunerado do que os homens.
Como explicou a coordenadora de Gestão de Informações da Secretaria Nacional de Cuidados e Família do Ministério de Desenvolvimento Social, Mariana Mazzini, no caso das mulheres, essa diferença é ainda marcada profundamente pelos recortes de raça e classe.
Ela também destacou como o trabalho de cuidado é capaz de delinear a vida profissional da mulher. “Para 30% das mulheres, a principal razão de estarem fora do mercado de trabalho e de não procurar essa inserção, é o fato de estarem ocupadas no campo doméstico e não remunerado. Entre os homens, apenas 2% possuem essa limitação”, explicou.
A Secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres do Ministério das Mulheres, Denise Motta Dau, afirmou que o plano de ação de enfrentamento contra a violência política deve ser lançado junto ao Pacto Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio, ainda este ano. Ela informou ainda que esse pacto terá a adesão de grandes empresas e vai contar com campanhas de conscientização e divulgação dos canais já existentes de denúncia, além de mensagens para sensibilizar à causa da violência de gênero.
Assédio e Saúde Mental das Bancárias
A discussão sobre a saúde mental das mulheres bancárias foi um dos destaques do seminário. A categoria sofre com a imposição de metas abusivas, excesso de horas trabalhadas, abuso de poder da parte dos gestores, assédio dos clientes, entre outros tipos de violências no ambiente laboral.
A deputada federal Erika Kokay, bancária da Caixa Econômica Federal, lembrou que introduzir o debate sobre a saúde da categoria foi uma luta muito difícil e que abriu portas para incluir as questões de diversidade, equidade de gênero e outros pontos, que segundo ela, são fundamentais para “libertar o ser humano que há dentro do trabalhador”.
“Discutir a saúde dentro do local de trabalho é fundamental para discutir o trabalho. O nosso ofício não pode ser algo associado ao sofrimento, nem a algo que pisoteie a nossa identidade”, explicou Kokay.
A professora do departamento de psicologia da UnB, Ana Magnólia, estuda desde 2003 a saúde do trabalhador e alertou para “um modelo narcisista e perverso de gestão”, presente com mais intensidade nos bancos privados, mas também nas instituições públicas, em menor escala.
“Em relação à violência de gênero, sabemos que elas são vítimas do assédio sexual, das duplas jornadas de trabalho, do sexismo. Entre o adoecimento que mais atinge as mulheres temos a depressão, como mais evidente e os transtornos ligados à fobias”, afirmou a pesquisadora.
Para a representante eleita representante dos funcionários no Conselho de Administração do Banco do Brasil, Kelly Quirino, a luta por melhores condições de vida e trabalho para as bancárias também envolve que mais mulheres ocupem cargos de gerência e destacou também a importância da ratificação da Convenção 190 da OIT para garantir mais mecanismos de proteção às mulheres no local de trabalho.
Cobertura midiática sobre feminicídio
Quando uma mulher é assassinada, além de perder o direito à vida, aos sonhos, ao convívio com aqueles que amava e à possibilidade do futuro, no Brasil, ela também está muito sujeita a perder a própria narrativa. Isso porque, muito comumente, a imprensa retrata esses crimes de gênero responsabilizando as vítimas pelas violências sofridas, mesmo quando se trata de homicídios com requintes de crueldade.
Esse é o tema do livro: “Histórias de morte matada contadas como morte morrida”, das jornalistas Niara de Oliveira e Vanessa Rodrigues, que estiveram presentes no primeiro painel do seminário: “Viva Sem Violência”, que aconteceu ao longo de todo este sábado (2), no Teatro dos Bancários.
“Quando você analisa as notícias, se depara com dois aspectos que nos deixam atordoadas: o crime em si e como a mídia cobre o crime. Isso começa com a questão gramatical e linguística. Percebemos por exemplo o uso constante da voz passiva. Quando você diz: ‘mulher é morta’, ‘mulher é encontrada morta’ e’ não ‘homem matou namorada’, ou ‘homem é suspeito de matar esposa’,’ por exemplo, o que você está fazendo é transferir para a vítima a centralidade, está dizendo que ela é a agente dessa ação”, explicou Vanessa Rodrigues.
O livro tem o objetivo de chegar às discussões acadêmicas sobre a cobertura dos crimes contra as mulheres, dialogar com os estudantes de jornalismo e instigar a crítica e a reflexão sobre a morte simbólica das mulheres que muitas vezes sucede a morte física.
Atividades Culturais
De acordo com a secretária de Mulheres do Sindicato dos Bancários do DF, Zezé Furtado, o Seminário foi pensado para ser uma grande atividade formativa mas ao mesmo tempo com leveza, até mesmo levando em consideração a longa duração do evento. Por isso, foram inseridas várias atividades culturais ao longo da atividade, como a apresentação “Palavras que dançam”, com Ju Valentim, no início do dia, a Batucada Feminista, o Clã das Águas e o encerramento com a cantora Dhi Ribeiro, em alusão ao Dia do Samba. Além disso, a atividade também contou com momentos interativos e coquetel.
Para aumentar a participação das mulheres no evento, uma creche funcionou no local das 8 às 18h.