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Saída da Ford do Brasil escancara os limites do neoliberalismo de Bolsonaro/Guedes

Em artigo, o presidente da CUT-DF fala da saída da Ford do Brasil que, além de escancarar a política neoliberal de Bolsonaro/Guedes, recrudesce a desindustrialização do país e tende a não ser um caso isolado

Publicado: 14 Janeiro, 2021 - 10h57 | Última modificação: 14 Janeiro, 2021 - 15h41

Escrito por: Rodrigo Rodrigues

Foto: Alberto Coutinho/GOVBA
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Complexo Industrial Ford Nordeste em Camaçari

Por Rodrigo Rodrigues

A crise financeira global de 2008 deixou claro ao mundo os limites de um capitalismo cada vez mais financeirizado em detrimento dos seus setores produtivos, justamente aqueles que geram mais empregos. À época, o Brasil era conduzido por um governo que, apesar de ter mantido o tripé macroeconômico (câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário) herdado do governo FHC (1994-2002), entendeu que esse regime de política econômica não poderia se dar sem uma política industrial forte. Assim, o governo do ex-presidente Lula articulou essa sua visão macroeconômica com ações políticas de diminuição das desigualdades sociais, por meio de um forte incremento do salário mínimo nacional e de transferência de renda aos setores mais pobres de nossa sociedade. Paralelo a isso se criou uma política de crédito aos pequenos e médios negócios; subsídios e isenções fiscais às grandes empresas dos mais diversos setores; facilitação e disponibilização de linhas de crédito à população mais pobre; tendo como base essas ações, o país tornou-se, à época, um mercado interno consumidor forte, evitando a quebradeira geral da economia e o desemprego dos trabalhadores.
A interrupção desse projeto se deu com o golpe político travestido de impeachment, impetrado contra a Presidenta Dilma, em 2016. Com apoio da grande mídia comercial brasileira, a Operação Lava Jato forjou um apoio popular contra os governos populares; as esquerdas e, em particular, contra o Partido dos Trabalhadores, abrindo o caminho para todas as nefastas reformas que vieram com os governos de Temer e Bolsonaro. O golpe sempre foi contra a classe trabalhadora, seus sindicatos e seus direitos. As reformas aprovadas desde então não foram capazes de fomentar um projeto de desenvolvimento e crescimento econômico ao país; os alertas do movimento sindical, em especial da CUT, foram deliberadamente silenciados na agenda pública nacional; e, ainda não satisfeitos, o governo de Temer, juntamente com as elites brasileiras viabilizaram a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) que atacou de forma brutal todos os sindicatos do país. Hoje fica evidente que, apesar de todo o discurso propalado, essas reformas só atenderam ao setor financeiro de nossa economia.

Apesar da articulação cada vez maior entre os setores produtivos e financeiros de nossa economia, que já não se apresentam de forma tão dividida na vida econômica real, os resultados da Reforma Trabalhista indicam também não agradar as grandes empresas da indústria brasileira e da maior parte do setor do comércio no país. A saída da Ford do Brasil e de outras grandes montadoras automotivas é sinal incontestável dessa realidade. Quanto ao comércio, a desregulamentação das relações de trabalho implementada pela reforma flexibilizou tanto a contratação que aos antes empregados no setor, hoje demitidos, não interessa mais trabalharem nas formas previstas naquela lei. Empurrados para a informalidade, esse trabalhadores preferem montar seus próprios negócios para concorrer com o próprio setor formal. Qualquer “bico” passou a ser mais interessante ao trabalhador do que trabalhar sob a modalidade de contratação em que ele tenha que ficar disponível ao patrão para atendê-lo por 2 ou 3 horas ao dia. Esse resultado foi um tiro no pé daqueles que, à época, acharam que a selvageria completa podia lhes dar mais lucro.

A Reforma Trabalhista e as outras reformas aprovadas nos governos de Temer e Bolsonaro foram as responsáveis pela saída agora da Ford do país e pelo fechamento de outras tantas empresas dos mais diversos setores da economia do Brasil, como a Yoki (da indústria alimentícia, que anunciou o fechamento de sua fábrica em Nova Prata, na Serra Gaúcha) e a Sony (que anunciou o fechamento da sua fábrica na Zona Franca de Manaus em março).

Essas reformas imprimiram na vida real da classe trabalhadora as políticas neoliberais de Bolsonaro/Guedes. O recrudescimento de nossa desindustrialização brasileira, que se verifica fortemente no país desde pelo menos os anos de 1980, quando a participação da indústria de transformação no PIB brasileiro atingiu a marca de 27% (em 2018 esse setor da economia representava apenas 11% de toda a riqueza nacional produzida, o patamar mais baixo da história), será sentido com mais força agora. E diante de um governo avesso às políticas sociais e a um projeto de desenvolvimento inclusivo de país, com um desemprego acachapante, não temos mais aquele forte mercado interno que nos salvou à época dos governos de Lula e Dilma.

Ao contrário das mil e uma explicações que os economistas liberais sugerem na grande imprensa, o povo brasileiro está sem dinheiro para comprar. O achatamento da renda da classe trabalhadora encolheu de forma avassaladora o nosso mercado interno, que ajudou outrora a dinamizar o mercado de automóveis no país: a participação da indústria automobilística no PIB industrial brasileiro aumentou de 14,6% em 2004 para 18,7% em 2012, saindo de um faturamento de 22 bilhões de reais em 2004 para pouco mais de 87 bilhões em 2013. Isso só foi possível em decorrência das políticas públicas de fomento à renda do brasileiro. Hoje, com as reformas implementadas desde o governo Temer, junto com as taxas negativas ou muito pequenas de crescimento do país nesse período, o forte mercado interno que consumia os automóveis brasileiros já não existe mais. O faturamento da indústria automobilística que chegou a mais de 87 bilhões de reais em 2013 passou para 54 bilhões em 2019, com um desemprego cada vez maior no setor.

O cenário de desregulamentação do trabalho implementado pela Reforma Trabalhista não gerou os empregos prometidos e ainda possibilitou ataques brutais aos sindicatos, criando um clima de verdadeira selvageria no país. Esses desmontes acabaram por afugentar investimentos produtivos no país e sequer agrada as grandes empresas a se instalarem no Brasil. O papel dos sindicatos sempre foi de fundamental importância ao desenvolvimento que, dentre outras, na sua função de homologar as demissões (suprimida na Reforma Trabalhista) e de representar os trabalhadores nas negociações coletivas, contribuía com a própria regulação do trabalho no Brasil.

Em artigo publicado na Revista Ciência do Trabalho n°15 (DIEESE/ABET), Horie e Marcolino concluem, a partir de um levantamento feito na análise das negociações coletivas realizadas em 2018 pelos sindicatos filiados à CUT, depois de um ano de implementação da Reforma Trabalhista, que “os pontos que mais dificultaram (e dificultam) o processo de negociação coletiva, na opinião dos dirigentes sindicais, é o fim da ultratividade e o negociado sobre o legislado. Entre os temas mais difíceis de negociação estão os ligados ao financiamento sindical, já que os sindicatos patronais querem manter o movimento de trabalhadores sem recursos para sua organização, interferindo diretamente na liberdade de organização sindical e afetando negativamente a construção das pautas de trabalhadores nas negociações. O outro tema de difícil negociação são os itens relacionados à jornada de trabalho que flexibilizam o uso do tempo e precarizam as condições de trabalho e vida”.

Em um ambiente desses, de completa desregulação e absoluta selvageria, nem a Ford quis ficar no país de Bolsonaro!

É fundamental reverter todas as reformas aprovadas desde o governo Temer, principalmente a sua malsucedida Reforma Trabalhista, que cria milhões de desempregados todos os anos em nosso país. Torna-se cada vez mais imperativo, em um processo de ampla construção social, em diálogo aberto até com as representações patronais, que os sindicatos voltem a ter protagonismo na vida social e política de nosso país. É urgente revogar a Emenda Constitucional n° 95, que congela os investimentos nas áreas sociais e não permite que o Brasil retome o caminho de um desenvolvimento inclusivo. Não é possível mais conviver com um modelo econômico que privilegia o setor rentista da nossa economia. E não tenhamos dúvida que tudo isso passa pelo imediato impedimento desse governo genocida que hoje se encontra instalado no Palácio do Planalto. É necessário defendermos e fortalecermos o SUS e termos o quanto antes a vacina contra a COVID-19, para assim podermos ocupar massivamente as ruas e tirarmos esse governo Bolsonaro e jogá-lo na lata de lixo da História.

Concluo, resumindo nossos anseios, repassando a todas e todos o melhor voto de felicitações para 2021 que recebi: Vacina para a pandemia! Impeachment para o Pandemônio do Palácio do Planalto!

A luta continua!

*Rodrigo Rodrigues é presidente da Central Única dos Trabalhadores do Distrito Federal – CUT-DF e  professor de História da Secretaria de Educação do DF