Escrito por: Junia Lara
Especialistas defendem no CECUT que os sindicatos levem o debate sobre o direito à comunicação e regulação da internet a toda sociedade
Quando a internet surgiu, há cerca de 30 anos, a promessa era de que a rede mundial de computadores abriria um novo mundo de possibilidades de comunicação para o campo popular, em especial em países como o Brasil, onde poucas famílias detém o poder midiático. Mas a ausência de regulação criou um ambiente em que o conteúdo é definido de acordo com os interesses dos monopólios globais de comunicação, que está na contramão da luta da classe trabalhadora.
“O Brasil precisa enfrentar uma agenda do século 21, mas ainda não venceu uma agenda do século 20, de regular o mercado da ‘velha comunicação’. E digo velha entre aspas, porque a TV aberta ainda é muito importante. Precisamos também convencer o Estado brasileiro de que é fundamental investir em comunicação pública”, afirmou a jornalista Bia Barbosa. Ela foi uma das palestrantes do painel “O Poder das Redes Sociais e a importância da comunicação para o mundo do trabalho”, realizado na tarde deste sábado, durante o Congresso Estadual da CUT-DF.
Integrante da Coalizão Direitos na Rede, do DiraCom – Direito à Comunicação e Democracia e uma das representantes do Terceiro Setor no Comitê Gestor da Internet no Brasil, ela acredita que é um imperativo regular a internet com regras mínimas de controle democrático.
“Ao contrário do que imaginamos, o que aparece para nós não é só o que nos interessa, mas sim o que provoca mais engajamentos, mais reações, mais emoções. Inúmeros estudos mostram que essa forma de atuar das plataformas favorece os discursos de ódio e a ascensão do fascismo, e isso é perigoso para as democracias”, avalia.
Bia Barbosa acredita que é urgente que as entidades sindicais defendam e expliquem para suas bases a importância da aprovação do PL 2630/20, conhecido como PL das Fake News.
Em tramitação na Câmara dos Deputados, o projeto de lei vai muito além das demandas sobre desinformação: institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Dessa forma, estabelece obrigações às plataformas digitais de redes sociais, como Facebook, Instagram e Tik Tok; de busca, como o Google; e de aplicativos de mensageria, como Telegram e WhatsApp.
Diante do questionamento de vários dirigentes sindicais sobre como ampliar o engajamento e ganhar as redes sociais, Bia Barbosa explicou que “o jogo é injusto”. “A cor da grama, o tempo de jogo, o número de faltas; tudo isso já está definido. Ou vocês acham que o Google, por exemplo, ia tirar conteúdos bolsonaristas do ar no período eleitoral se, cerca de 15 dias antes, Bolsonaro tinha aplicado milhões em anúncio nessa plataforma?”, reflete a militante pelo direito à comunicação.
A condição pré-estabelecida, segundo Bia, não é um impeditivo para que os sindicatos invistam e valorizem seus setores de comunicação. Mas é essencial que essas irganizações se empenhem na luta pela regulação da internet.
O jornalista Mauro Lopes, âncora do programa Forum Café e editor do portal da revista Forum, foi taxativo: “Eu não acredito em coincidências e sim em múltiplas convergências. Foi o aumento da relevância das plataformas que impulsionou a ascensão da extrema direita. Elas levaram a simplificação ao máximo e isso é ótimo para a direita que, com três ou quatro frases feitas ou lugares comuns, usa a emoção da raiva e do ódio para mobilizar”, afirmou.
Lopes lamenta que a esquerda de maneira geral não consiga entender isso e ainda faça uma avaliação equivocada da política atual. “Não entendemos porque, mesmo agora, Bolsonaro mantenha 35% de mobilização nas redes, mas é isso que está acontecendo”, ressaltou.
Na opinião dele, o desafio não será fácil, pois envolve uma gama de atividades. “Temos que estar na internet e nas redes, mas também ocupar e fazer o confronto na chamada grande mídia, nas TVs, nas rádios, pois senão corremos o risco de perder novamente o debate”, acrescentou.
Mediadora do debte, a secretária de Comunicação da CUT-DF, Ana Paulia Cusinato, destacou que a ausência do direito à comunicação gera cenários avessos à luta da classe trabalhadora. “Sem o direito à comunicação, sofremos um golpe, Bolsonaro foi eleito, perdemos direitos; sem o direito à comunicação, temos hoje um Congresso do jeito que está”, refletiu.
Ela afirmou que a luta pelo direito à comunicação passa, necessariamente, pela democratização da comunicação, que está diretamente ligada à regulação não só da radiodifusão, mas também da internet. Ana Paula Cusinato, que é servidora pública federal e comunicadora popular, alertou que não existe democracia, não existem direitos trabalhistas consolidados, sem que existam mecanismos que viabilizem um sistema de comunicação diverso e plural, tanto para receber como para produzir informações.
“Enquanto lideranças sindicais, precisamos entender que o processo de debate de comunicação deve entrar na pauta da classe trabalhadora todos os dias”, alerta a dirigente sindical.