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Privatização da CEB: a consolidação da falta de democracia no governo Ibaneis

Ibaneis Rocha vem se mostrando o extremo oposto do que ventilou durante a campanha eleitoral de 2018, com total indisposição para diálogo, negociação ou interação com as representações da sociedade

Publicado: 09 Dezembro, 2020 - 12h39 | Última modificação: 10 Dezembro, 2020 - 09h18

Escrito por: Rodrigo Rodrigues

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No último dia 4 de dezembro, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, ao lado do executivo Mário Ruiz-Tagle, bateu o martelo no leilão da Companhia Energética de Brasília (CEB). Consolidava assim a venda da estatal à empresa Neoenergia, controlada pelo grupo espanhol Iberdrola. Mais do que indicar o fechamento do negócio, o martelo empunhado pelo governador teve um simbolismo ainda maior: a imposição do silêncio, da falta de diálogo e democracia em todo o processo. O governo de Ibaneis é marcado pelo empenho na tentativa de calar organizações sindicais e sociais, a população e, muitas vezes, a própria Justiça.

No último dia 3 de dezembro, às 22h31, horas antes do horário marcado para o leilão da CEB, a desembargadora Fátima Rafael, do TJDFT, concedia uma liminar para suspender a privatização da CEB sem prévia legislação aprovada pela Câmara Legislativa autorizando a venda. Apesar dos advogados da CEB terem conhecimento da decisão, que pode ser comprovada nos autos do processo, o GDF e a Direção da Estatal decidiram descumprir a decisão judicial. Desrespeitando a liminar, Ibaneis bateu o martelo no leilão que vendeu a empresa pública. 

Investido no principal cargo do Executivo local, Ibaneis Rocha vem se mostrando o extremo oposto do que ventilou durante a campanha eleitoral de 2018, com total indisposição para diálogo, negociação ou qualquer tipo de interação com as representações da sociedade civil. E a privatização da CEB Distribuidora indica que o governador pode até ter cometido crime de responsabilidade.

Pela Lei Orgânica do Distrito Federal, a privatização da CEB só poderia ter sido feita após passar pelo crivo da Câmara Legislativa do DF, espaço determinante para que se fosse feito debate público sobre o tema. Além disso, um dia antes de Ibaneis concretizar a venda da estatal, o Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) suspendeu a possibilidade de privatização da CEB sem a autorização da CLDF. Em decisão liminar, a desembargadora Fátima Rafael considerou que a privatização da CEB Distribuidora corresponde à “extinção” do grupo CEB, já que é possuidora de 96% da receita bruta. Mas nem isso foi suficiente para que o governador Ibaneis abalasse sua determinação em privatizar o patrimônio público.

Para além de uma flagrante ação ilícita, o governador do DF também não encontrou justificativas lógicas para a privatização da CEB. À mídia tradicional, Ibaneis apresentou uma dívida de R$ 800 milhões da empresa pública. Entretanto, em nenhum momento trouxe à tona que a CEB tem a receber algo em torno de R$ 2 bilhões, entre contas e ativos para alienação. Aliás, somente o GDF deve cerca de R$ 60 milhões à estatal.O governador também nunca citou que a CEB recebeu o Prêmio Aneel de Qualidade, em 2019, ao ser considerada a concessionária com melhor avaliação do consumidor na região Centro-Oeste, além de somar também, em 2020, o título de 7ª melhor do Brasil em qualidade de serviços entre as concessionárias de grande porte com mais de 400 mil clientes.

A própria história condena a decisão autoritária e intransigente de Ibaneis Rocha. Basta observar o caos energético no Amapá. Protagonizado pela empresa estrangeira Gemini Energy, o apagão que deixou milhares de pessoas no escuro por 22 dias só encontrou saída quando a estatal Eletrobras entrou em ação.

E este não é o único caso em que a privatização do setor elétrico está diretamente ligado ao caos do setor em estados brasileiros. De 2017 para cá, foram privatizadas as distribuidoras de Alagoas, Piauí, Amazonas, Roraima, Rondônia, Acre e Goiás. Em todos os casos, foram registrados reajustes das tarifas de energia elétrica que vão de 24% a 38%, além da prestação de um serviço precário e totalmente voltado para o lucro. Em Goiás, por exemplo, além de a conta de luz ter aumentado 30% no período de três anos, são constantes as quedas de energia e os prejuízos gerados após a privatização do setor. De tão grandes, os problemas fizeram com que até o democrata Ronaldo Caiado, governador do estado, exigisse o cancelamento da venda da empresa.

Mais que atender necessidades particulares, o serviço de distribuição de energia elétrica também é essencial para a prestação deserviços públicos como educação e saúde. Só no DF, são cerca de 700 escolas que dependem do abastecimento de energia elétrica eficiente para poder funcionar, fora outros espaços, como hospitais, bibliotecas, refeitórios populares.

É assustador quando se tem a certeza de que, mesmo com posição intransigente em defesa da privatização da CEB, Ibaneis sabe a importância estratégica da estatal para o Distrito Federal. Tanto é que na campanha eleitoral de 2018 assinou documento, registrado em cartório, garantindo que não privatizaria a empresa. Aliás, o perfil progressista do governador se limitou ao período pré-eleitoral, quando ele chegou a, sem pudor, posar para foto segurando a Plataforma da Classe Trabalhadora para as eleições de 2018, elaborada pela CUT-DF, que apresentava pautas como a defesa das empresas públicas.

Para além do milimétrico alinhamento à política aplicada e orientada pelo governo Bolsonaro-Guedes, não há nada que justifique a privatização da CEB. Na onda do autoritarismo, do desrespeito à harmonia dos Poderes e da ruptura com a democracia, insuflada pelo governo federal, surfa também o governador Ibaneis Rocha. Cabe às organizações da sociedade civil e à população confrontar de forma unificada os desmandos realizados de forma confortável pelo GDF, mas que custarão muito caro a todas e todos.

*Rodrigo Rodrigues é professor de História da rede pública de ensino do DF e presidente da CUT-DF