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OIT debate a regulamentação do trabalho na economia de plataformas

A 113ª Conferência Internacional do Trabalho definiu instrumentos para normatizar o trabalho na economia de plataformas digitais, visando proteção e direitos laborais.

Publicado: 04 Julho, 2025 - 13h43 | Última modificação: 04 Julho, 2025 - 13h57

Escrito por: Fernanda Caldas Giorgi e José Eymard Loguercio

Reprodução OIT
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A OIT - Organização Internacional do Trabalho é uma agência das ONU - Nações Unidas especializada em temas relativos ao mundo do trabalho e ao desenvolvimento social, cuja principal característica é sua estrutura tripartite. O modelo de governança da OIT envolve a participação ativa de três partes: representantes de governos, empregadores e trabalhadores. Vale dizer, a criação de normas internacionais do trabalho, o monitoramento da aplicação efetiva dessas normas, as políticas gerais e ações da OIT são debatidas e decididas por esses três atores.

Anualmente, realiza-se em Genebra, a CIT - Conferência Internacional do Trabalho. Instância deliberativa da OIT a quem incumbe definir as normas internacionais do trabalho e as políticas gerais da OIT, sendo referida por muitos como Parlamento do Trabalho. Em 2025, a 113ª CIT foi realizada no período de 2 a 13 de junho, reunindo 5.407 pessoas, de 171 países (do total de 187 países membros).

Os assuntos pautados para serem discutidos ao longo dessas duas semanas foram:

I. Informe do Presidente do Conselho de Administração sobre o período de 2024-2025 e Memória do Diretor Geral intitulada "Empleo, derechos y crecimiento: fortalecer el nexo." 

II. Projeto de Programa e Orçamento para o biênio 2026-2027 - Comissão de Finanças.

III. Informação e memórias sobre a aplicação de Convenções e Recomendações - Comissão de Aplicação de Normas.

IV. Proteção contra riscos biológicos no meio ambiente de trabalho - Comissão Normativa sobre Riscos Biológicos (segunda discussão).

V. Trabalho decente na economia de plataformas - Comissão Normativa sobre Trabalho Decente na Economia de Plataformas (primeira discussão).

VI. Discussão Geral sobre Enfoques Inovadores para Combater a Informalidade e Promover Transições para Formalidade a fim de Fomentar o Trabalho Decente - Comissão da Discussão Geral.

VII. Contribuição tripartite da OIT para a 2ª Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social em 2025 - Comissão de Assuntos Gerais.

VIII. Medidas que caberia adotar em virtude do artigo 33 da Constituição da OIT para lograr o cumprimento das recomendações formuladas pela Comissão de Inquérito por parte de Mianmar - Comissão de Assuntos Gerais.

IX. Aprovação de emendas ao Código da Convenção sobre Trabalho Marítimo, 2006, em sua versão emendada, adotadas pelo Comitê Tripartite Especial estabelecido em virtude do artigo XIII da Convenção sobre trabalho marítimo na sua quinta reunião em abril de 2025 - Comissão de Assuntos Gerais.

As comissões que tiveram os debates mais acirrados este ano foram, como era de se esperar, as comissões normativas sobre riscos biológicos e sobre trabalho decente na economia de plataformas. Afinal, a elaboração de normas internacionais do trabalho pressupõe o estabelecimento de estândares mínimos de dignidade a serem deliberados mediante a ponderação dos interesses, por vezes antagônicos, dos três atores do mundo do trabalho: governos, empregadores e trabalhadores. Além disso, os termos estabelecidos nessas normas devem ser suficientemente flexíveis para comportar a ratificação e internalização por 187 países.

O processo normativo da OIT estende-se por vários anos desde a identificação de um tema pelo Conselho de Administração até sua apreciação e deliberação em duas sessões consecutivas da Conferência Internacional do Trabalho. Todos os debates são precedidos de estudos e questionários a serem respondidos pelos países-membros da OIT, sempre em consulta aos atores sociais. 

No caso do Trabalho Decente na Economia de Plataformas, por exemplo, o assunto foi pautado em 2022 pelo Conselho de Administração, para constar na ordem do dia da 113ª CIT em 2025. Até agora, foram elaborados dois informes sobre o tema: (1) informe branco, que contém o panorama legislativo e prático do tema no mundo e é acrescido de questionário e (2) informe amarelo4, que sintetiza as respostas oferecidas ao questionário e propõe conclusões preliminares. Na 113ª Conferência, discutiu-se que tipo de instrumento deveria ser elaborado para tratar o tema, Convenção e/ou Recomendação, e iniciaram-se os debates sobre o conteúdo de cada instrumento. Encerrada a Conferência, o Escritório da OIT sistematizará o debate travado em 2025 no formato de (3) informe marrom, que será submetido aos países-membro. Colhidos os comentários dos países-membro, será elaborado o (4) informe azul, último informe, que contêm comentários e emendas sugeridas ao texto proposto para cada instrumento e que será objeto de apreciação e debate na 114ª CIT, em 2026.

O professor espanhol Antonio Baylos sintetizou em seu blog a discussão que vem sendo travada no âmbito da OIT sobre o Trabalho Decente na Economia de Plataformas, descrevendo em detalhes o texto de Convenção e Reconvenção sugeridos pelo Escritório da OIT e submetidos à apreciação da 113ª CIT. Com a gentileza de sempre, o Professor Baylos nos autorizou fazer uma versão em português do seu texto, para que os brasileiros possam acompanhar a evolução do tema no seio da OIT.

Vale um alerta ao leitor: a 113ª CIT decidiu que o tema do Trabalho Decente na Economia de Plataformas será regulamentado por meio de uma Convenção, complementada por uma Recomendação. Além disso, foram discutidos e deliberados os conteúdos dos parágrafos 1 a 4, 6 a 10 e 26 do texto de Convenção proposto. Todos os demais parágrafos estão pendentes de definição e serão objeto de discussão em 20265. Vejamos:

Conclusões:

Forma do instrumento e definições: 

1- A Conferência deverá adotar normas sobre o trabalho decente na economia de plataformas.

2- Conferência decidiu adotar dois instrumentos: Convenção complementada por Recomendação;

3- Definiu os termos: "plataforma digital de trabalho", "trabalhador de plataformas digitais", "intermediário", "remuneração ou pagamento":

a) expressão "plataforma digital de trabalho" designa toda pessoa jurídica, ou, se aplicável e de conformidade com a legislação nacional, toda pessoa física que, por meio de tecnologias digitais, utilizando sistemas automatizados de tomada de decisões: 

I - organiza e ou facilita o trabalho realizado por pessoas mediante remuneração ou pagamento; 

II - independentemente de que o trabalho se realize on-line ou fisicamente (em determinado espaço físico-geográfico).

b) expressão "trabalhador de plataformas digitais" designa toda pessoa que esteja empregada ou contratada para trabalhar:

I - Para fins de prestação de serviço organizados e/ou facilitado por uma plataforma digital;

II - Mediante remuneração ou pagamento;

III - Independentemente da classificação de sua situação no emprego.

c) o termo "intermediário" designa toda pessoa jurídica ou, quando seja aplicável e de conformidade com a legislação nacional, toda pessoa física que coloca à disposição o trabalho de um trabalhador de plataformas digitais:

I - em virtude de relações contratuais com a plataforma digital de trabalho e com o trabalhador de plataformas digitais; ou

II - no marco de uma cadeia de subcontratação entre a plataforma digital de trabalho e o trabalhador de plataformas digitais.

d) O termo "remuneração" ou "pagamento" designa o montante devido, em virtude da legislação nacional, os contratos coletivos (acordos coletivos ou convenções coletivas) ou as obrigações contratuais, a um trabalhador de plataformas digitais, de acordo com a classificação de sua situação de emprego (trabalho), como contraprestação do trabalho realizado. A Remuneração não inclui nenhuma compensação pelos gastos ou outros custos suportados pelos trabalhadores de plataformas digitais para a realização de seu trabalho. 

4- todo o uso da forma masculina genérica nas normas deve interpretar-se no sentido de que não é excludente e que inclui também as mulheres, a menos que o contexto indique claramente outra forma.

(...)

6- Âmbito de aplicação

A convenção deve aplicar-se:

a) a todas as plataformas digitais de trabalho;

b) a todos os trabalhadores de plataformas digitais, a menos que se disponha de modo diferente nesta convenção, tanto para os que se encontram na economia formal como na informal. 

7. Quando surgirem problemas específicos de natureza substancial, todo membro poderá, mediante prévia consulta às organizações representativas de empregadores e de trabalhadores e, quando existam, com as organizações que representem as plataformas digitais de trabalho e os trabalhadores de plataformas digitais, excluir da aplicação da totalidade ou de parte da convenção: 

a) categorias limitadas de plataformas digitais de trabalho ou

b) categorias limitadas de trabalhadores de plataformas digitais. 

8. No caso das exclusões previstas no ponto 7, e quando possível, o Membro deverá adotar medidas para estender progressivamente a aplicação da convenção para as categorias de plataformas digitais de trabalho e de trabalhadores de plataformas digitais em questão.

9. Todo membro que se aproveite da possibilidade de exclusão contemplada no ponto 7 deverá, na primeira memória relativa à aplicação desta convenção que se apresente em virtude do artigo 22 da Constituição da Organização Internacional do trabalho:

a) indicar as categorias limitadas de plataformas digitais de trabalho ou de trabalhadores de plataformas digitais que foram excluídas com arrimo no ponto 7;

b) expor os motivos de tais exclusões e o as condições de sua legislação e prática a respeito de tais categorias excluídas, indicando as posições respectivas das organizações mencionadas no ponto 7.

10. Nas memórias seguintes sobre a aplicação da Convenção que se apresente em virtude do artigo 22 da Constituição, o Membro deverá especificar as medidas que foram tomadas com vistas a estender a aplicação da Convenção as categorias de plataformas digitais de trabalho ou de trabalhadores de plataformas digitais em questão. 

(...)

Impacto do uso de sistemas automatizados

26. Todo Membro deverá exigir das plataformas digitais de trabalho que informem aos trabalhadores de plataformas digitais, antes de iniciar o emprego ou a contratação, e aos seus representantes ou as organizações representativas de trabalhadores e, quando existam, as organizações que representem os trabalhadores de plataformas digitais, sobre:

a) o uso de sistemas automatizados, com base em algoritmos ou métodos semelhantes, com a finalidade de monitorar ou avaliar o trabalho ou gerar decisões relacionadas ao trabalho;

b) até que ponto o uso de tais sistemas automatizados tem um impacto sobre as condições de trabalho dos trabalhadores de plataformas digitais ou sobre o acesso ao trabalho.

A moral da história que pretendemos contar com a ajuda do professor Baylos é: o trabalho decente na economia de plataformas está em disputa. Temos de aprofundar os debates internamente em cada país e regionalmente, para fortalecer nossas posições e, assim, conseguir avançar em 2026 para textos normativos que estabeleçam patamares mínimos civilizatórios de direitos para todas as pessoas que trabalham, independentemente do tipo de contrato, na economia de plataformas.

Boa leitura!

Según Antonio Baylos...

A OIT criará Convenção Internacional para regular o trabalho realizado na economia de plataformas

A RDS - Revista de Direito Social número 110, correspondente ao segundo fascículo de 2025, dedica seu editorial a um tema importante: a decisão da 113ª CIT - Conferência Internacional do Trabalho de regular por meio de Convenção Internacional a relação dos trabalhadores ao serviço das plataformas digitais. A editoria Bomarzo, responsável pela publicação da RDS, permitiu que este blog anunciasse o lançamento e o conteúdo deste número da revista.

O que hoje é chamado de economia de plataforma - e já foi nomeado como economia colaborativa, economia gig, economia digital - vem sendo objeto de muita reflexão nos últimos anos e é objeto de inúmeros artigos, opiniões, livros coletivos e monografias. A discussão na 113ª. CIT permitiu que essa discussão fosse retomada, pautando-se uma revisão ampliativa dos requisitos de aplicação do sistema protetivo do trabalho num esforço de classificar adequadamente as relações mantidas pelas pessoas que prestam serviço por meio das plataformas digitais. Trata-se, portanto, de revisitar com viés inclusivo as noções de alienação, dependência e subordinação para, possivelmente, fazer frente à intenção de flexibilizar das plataformas digitais ao estabelecer imperativos globais que alcancem todas as ordens jurídicas nacionais. O debate sobre a suposta inadequação de conceitos trabalhistas em relação a novas realidades produtivas e a novos modelos de negócio digital - concretamente a plataformas que operam no mercado fornecendo serviços - abrange desde o transporte de passageiros e a distribuição de comida até o oferecimento de serviços de cuidado e de trabalho doméstico. Trabalhos ocasionais e precários, intercambio livre no mercado de bens e serviços por demanda, um universo de liberdade e mercadorias proporcionado pelas plataformas digitais por meio de dispositivos eletrônicos que estão ao alcance de toda a população sem restrições de tempo nem de lugar.

O tema que chamou mais a atenção na Espanha foi o das pessoas dedicadas à entrega de produtos via plataformas digitais - conhecidas como riders -, que desbravaram na esfera judicial a discussão sobre seu enquadramento legal, valendo-se da Inspeção do Trabalho. A posição do Poder Judiciário espanhol, depois de decisões contraditórias proferidas por instâncias inferiores, foi consolidada pela seção especializada do Tribunal Superior, o que ensejou o diálogo entre o governo e os interlocutores sociais. Fruto desta negociação tripartite, a lei 12/216 estabeleceu a presunção da condição de trabalhadores desta coletividade. Com isso, encerrou-se extenso debate doutrinário que transitava entre a condição de trabalhador autônomo, a de trabalhador dependente em modalidade específica e a de relação laboral de caráter especial, prevalecendo o entendimento de que se trata de trabalhador por conta alheia submetido ao Direito do Trabalho. Convém ressaltar que, nesse longo debate sobre a natureza jurídica da atividade dos riders, não se incutiu no imaginário dos operadores do direito a ideia de "obsolescência dos critérios determinantes do enquadramento da prestação de serviços na legislação trabalhista". Apesar de a definição legal exigir a reclassificação de relações jurídicas concretas, algumas empresas de plataformas resistiram, insistindo em considerar seus riders como autônomos - caso exemplar é o da empresa Glovo. As sanções impostas contra essa "rebeldia" foram insuficientes, o que implicou a reforma do CP espanhol para incluir no crime de exploração laboral a conduta de quem "impõe condições ilícitas aos seus trabalhadores mediante contratação em modalidade diversa do contrato de trabalho ou as mantenha em descumprimento de ordem ou sanção administrativa". Esta alteração legislativa já resultou na imputação do crime contra os direitos dos trabalhadores ao CEO de uma empresa transgressora por um juiz de Barcelona.

Regionalmente, uma iniciativa de regulamentação sobre o trabalho em plataformas foi inserida no âmbito do Pilar Europeu de Direitos Sociais. Em que pese o apoio intenso e coerente do governo espanhol, a aprovação dessa iniciativa não foi fácil. Depois de muitas idas e vindas, o texto original apresentado em 2021 foi modificado graças a atuação incisiva do grupo de empresas multinacionais, especialmente no que se refere aos critérios para enquadramento presunção de relação de trabalho, que passou a ser redigido assim "fatos que indiquem direção e controle em conformidade com o Direito nacional, as convenções coletivas ou as práticas vigentes nos Estados Membro e levando em consideração a jurisprudência do Tribunal de Justiça". Apesar das mudanças no texto normativo, o acordo logrado entre o Parlamento e o Conselho não obteve o quórum exigido no Comite de Representantes dos Estados Membro ante a oposição de países como França e Itália e a abstenção da Alemanha. Receava-se que o tema ficaria inconcluso até as eleições para o Parlamento Europeu em junho de 2024, mas, a mudança no último momento do voto da Estónia e da Grécia resultou na aprovação e promulgação Diretiva (UE) 2024/28317 do Parlamento Europeu e do Conselho, em 23 de outubro de 2024, relativa à melhoria das condições de trabalho na economia de plataformas.

A regulamentação das atividades prestadas para as plataformas digitais, em especial daquelas que consistem em transporte de passageiros e delivery, tornou-se uma questão global dada a expansão deste modelo de negócio e a configuração transnacional das empresas de plataformas digitais. Por isso, em muitos países, o debate central sobre o enquadramento jurídico dessas atividades - especificamente, sobre a presunção de natureza laboral - redundou na reivindicação de que a questão fosse definida mediante disposição legislativa. A discussão é especialmente polêmica nos países da América Latina, onde predomina o entendimento de que se trata de trabalho independente ou autônomo e onde o ordenamento jurídico é tendente a aceitar a forma jurídica de exploração defendida pelas empresas de plataformas, ainda que o enquadramento jurídico fixado seja complementado por direitos mínimos de saúde e segurança, salários, jornada e eventualmente direito de sindicalização. Os modelos legais propostos no Chile (2022), Brasil (2024), México (2024) e Uruguai (2025) demonstram a pluralidade de soluções normativas que, evidentemente, ensejam contínuo debate na doutrina trabalhista destes países.

Neste contexto, é extremamente importante elaborar uma norma internacional que estabeleça um marco regulatório para combater a precariedade e a falta de direitos trabalhistas e de proteção social das pessoas que prestam serviços na economia de plataformas. Essa é a tarefa da OIT, que deve integrar as atividades prestadas mediante plataformas digitais ao escopo de proteção definido pela noção de trabalho decente. Missão desafiadora, pois, embora o início deste processo normativo esteja circunscrito ao período pós pandemia de COVID-19, o espírito progressivo e inclusivo de direitos de então parece estar em marcha ré.

De fato, o primeiro documento - de grande interesse - que marca o início do esforço para construir um marco regulatório internacional sobre a economia de plataformas é o Documento de Referência para a Reunião de Peritos sobre Trabalho Decente na Economia de Plataformas (Genebra, 10 a 14 de outubro de 2022)8, preparado pelo Departamento de Condições de Trabalho e Igualdade da OIT. Este documento fornece um quadro geral descritivo da economia de plataformas e da realidade do trabalho a seu serviço; indica as Convenções da OIT que poderiam ser aplicadas a essas relações e aponta as lacunas ou deficiências regulatórias que este corpo legislativo apresentava em relação à atividade analisada. O objetivo da reunião de peritos era chegar a um consenso sobre a necessidade de regulamentação desta matéria, mas a oposição intransigente do grupo de empregadores impediu a adoção de uma posição comum.

A pressão para que a OIT adotasse uma norma que regulasse o trabalho em plataformas, porém, intensificou-se tanto por parte de sindicatos - merecendo destaque a campanha promovida pela CSI - Confederação Sindical Internacional para que os direitos dos trabalhadores em plataformas fossem consagrados em Convenção e Recomendação da OIT, como por parte de alguns governos - caso de países europeus e, em particular, da Espanha. Assim, em 2023, o Conselho de Administração incluiu o trabalho decente na economia de plataformas como um item da agenda da 113ª Sessão da Conferência Internacional do Trabalho (2025), conforme o procedimento normativo de dupla discussão9. Vale dizer, o tema será objeto de estudos internacionais e será pautado em duas sessões consecutivas da CIT - Conferência Internacional do Trabalho para debater e adotar um novo instrumento internacional, seja uma Convenção ou uma Recomendação, ou ambas.

Como documento preparatório para a discussão realizada na 113ª CIT, foi apresentado um relatório com o título bastante sugestivo: "Tornando o Trabalho Decente uma Realidade na Economia de Plataforma". Este estudo contém informações valiosas compiladas por meio de um questionário dirigido a atores sociais e governos sobre o marco regulatório, destacando aspectos como a proteção dos trabalhadores em termos de direitos básicos e previdência social, a representação coletiva e as experiências de diálogo social. Em sua conclusão, o relatório explica a necessidade de um padrão internacional para a economia de plataforma.

Assim, na 113ª. CIT, realizada em Genebra em junho deste ano, iniciou-se o debate sobre o trabalho decente na economia de plataformas. O grupo de empregadores defendeu que a resposta normativa da OIT deveria ser "rebaixada" a uma Recomendação para assegurar a ampla aplicabilidade do instrumento - estratégia semelhante à usada em 2006 com a recomendação 196 sobre a relação de trabalho. Também se opôs à adoção de um procedimento de alteração acelerado e simplificado para garantir sua relevância contínua à luz de futuras mudanças tecnológicas, regulatórias ou operacionais que impactassem o trabalho na economia de plataforma. No curso dos trabalhos da Comissão Normativa dedicada a este tema, no entanto, decidiu-se que o formato da norma internacional a ser criada será de uma Convenção complementada por uma recomendação, cujo conteúdo será amplamente discutido na próxima Conferência, a ser realizada em 2026. Isso foi, naturalmente, muito bem recebido pelo grupo de trabalhadores e pela CSI, bem como por vários governos.

As atas da Comissão Normativa refletem as discussões preliminares sobre o conteúdo dos instrumentos regulatórios, cuja aprovação final é diferida para 2026, e indicam alguns elementos muito interessantes quanto ao escopo da futura Convenção internacional. Uma plataforma digital não se limita a setores específicos - como os de transporte de passageiros ou de entrega de mercadorias - mas é definida de forma geral como qualquer pessoa que "por meio de tecnologias digitais, utilizando sistemas automatizados de tomada de decisão, organiza e/ou facilita o trabalho realizado por pessoas em troca de remuneração ou pagamento, para a prestação de serviços, a pedido do destinatário ou solicitante, independentemente de tal trabalho ser realizado on-line ou em uma localização geográfica específica". Incluiu-se a figura do "intermediário", que envolve tanto a disponibilização de um trabalhador para a prestação do serviço de uma plataforma quanto o estabelecimento de uma cadeia de subcontratações entre a plataforma e o trabalhador. O conceito de trabalhador de plataforma digital é reservado àqueles que prestam "um serviço organizado e/ou facilitado por uma plataforma digital de trabalho, em troca de remuneração ou pagamento, e independentemente de classificação de sua situação no trabalho", sendo, portanto, incluídos no escopo da norma internacional tanto os empregados quanto os contratados independentes.

Em consonância com essa ampla definição das partes envolvidas, os parágrafos 6 a 10 dessas atas indicam com precisão o âmbito de aplicação da futura Convenção internacional. Ela se aplicará a todas as plataformas digitais de trabalho e a todas as pessoas que atuem por meio de plataformas digitais, tanto na economia formal quanto informal, a menos que a Convenção preveja exceções quanto ao tipo de plataformas ou às categorias de trabalhadores a seu serviço. No entanto, nesses casos, recomenda-se que "sejam tomadas medidas para estender progressivamente a aplicação da Convenção às categorias de plataformas digitais e de trabalhadores concernidas" (isto é, inicialmente excluídas).

A ideia por trás desta iniciativa é estender a todas as pessoas que trabalham em plataformas os princípios e direitos fundamentais no trabalho que constituem o jus cogens do direito internacional do trabalho e gozam de validade universal, o que implica a aplicação das dez convenções fundamentais a essas pessoas. Além disso, a proteção da saúde e segurança no trabalho, incluindo a proteção contra violência e assédio no trabalho, foi enfatizada. Isso anda de mãos dadas com o reconhecimento do direito fundamental a um ambiente de trabalho saudável, embora a norma seja mais explícita e desenvolva mais esse aspecto, o que é, aliás, crucial dada a falta de proteção que esses trabalhadores sofrem.

É muito interessante como o problema da classificação jurídica da relação de trabalho deve ser tratado segundo estas conclusões. Trata-se de uma fórmula aberta que, sem dúvida, reacenderá um debate acalorado no momento da adoção final da Convenção. De fato, cada Estado-Membro "deve adotar medidas para garantir a correta classificação dos trabalhadores de plataformas digitais vinculada à existência de uma relação de trabalho, com base principalmente em fatos relacionados à execução do trabalho e à remuneração do trabalhador de plataformas digitais, levando em consideração a recomendação sobre Relações de Trabalho, 2006 (198), e considerando as especificidades do trabalho realizado por meio de plataformas digitais". No entanto, a Convenção enfatiza que essas medidas "não devem interferir nas relações civis e comerciais genuínas e, ao mesmo tempo, devem garantir que os trabalhadores de plataformas digitais vinculados a uma relação de trabalho gozem da proteção a que têm direito".

Aspectos fundamentais da relação de trabalho são a remuneração ou o pagamento e a proteção da Seguridade Social, que se remetem a direitos fundamentais de categorias homólogas a de trabalhadores a serviço de plataformas digitais. Também está incluída a obrigação de as empresas fornecerem informações "adequadas" sobre as condições de trabalho, juntamente com o princípio de aplicação territorial das condições de trabalho. A proteção de dados pessoais e o direito à privacidade dos trabalhadores de plataformas digitais são estabelecidos em consonância com a configuração individualista dos direitos digitais que acompanha a regulamentações dos mesmos.

A Convenção deve regulamentar também, em linha com os precedentes europeus, o direito à informação sobre o uso da gestão algorítmica das relações de trabalho, um direito individual dos trabalhadores antes da celebração do contrato de trabalho e um direito coletivo dos representantes coletivos e sindicais. A transparência algorítmica está relacionada à informação sobre "o uso de sistemas automatizados, baseados em algoritmos ou métodos semelhantes, para fins de monitoramento ou avaliação do trabalho ou para a tomada de decisões relacionadas ao trabalho" e ao impacto que estes têm "nas condições de trabalho dos trabalhadores de plataformas digitais ou no acesso ao trabalho". Especificamente, são proibidas a discriminação direta ou indireta em relação à remuneração ou ao acesso ao trabalho, bem como os efeitos nocivos à saúde dos trabalhadores e o risco potencial de acidentes de trabalho. Há uma referência geral às violações de princípios e direitos fundamentais, incluindo a liberdade de associação e a negociação coletiva. Há uma disposição específica que estende a proibição de demissão discriminatória ao setor das plataformas. Os Estados-Membros devem adotar medidas "para proibir a suspensão ou desativação da conta de um trabalhador de plataforma digital ou a cessação do seu trabalho ou contrato com uma plataforma digital de trabalho, quando tal suspensão, desativação ou cessação se basear em motivos discriminatórios ou outros motivos injustificados".

Por fim, no desenvolvimento deste direito à transparência algorítmica, os trabalhadores e as trabalhadoras de plataformas terão direito a uma explicação por escrito de toda e qualquer decisão gerada por um sistema automatizado "que afete as suas condições de trabalho ou o seu acesso ao trabalho", bem como direito à supervisão humana dessas decisões. Este direito consta também da norma europeia sobre condições de trabalho em plataformas digitais e do próprio Regulamento sobre Inteligência Artificial. A Convenção internacional especifica este direito na revisão de "qualquer decisão que resulte na recusa de pagamento, ou na suspensão ou desativação das suas contas, ou na cessação do seu trabalho ou contrato com uma plataforma de trabalho digital". Outra disposição relevante da Convenção refere-se à proteção de migrantes e refugiados, afirmando que todas as medidas necessárias e adequadas devem ser adotadas "para prevenir abusos contra migrantes e refugiados no contexto do seu recrutamento ou do seu trabalho como trabalhadores de plataformas digitais, e para lhes proporcionar proteção adequada".

Encerram as disposições comuns sobre o âmbito de aplicação da Convenção e as formas pelas quais o instrumento deve ser incorporado aos sistemas jurídicos nacionais: "por meio de legislação, convenções coletivas, decisões judiciais, uma combinação desses meios, ou de qualquer outra forma de acordo com a prática nacional". Se uma norma interna já existir, ela deverá ser alterada caso não inclua as situações fáticas reguladas no âmbito de aplicação da norma internacional.

No texto da Convenção, há aspectos importantes da regulamentação desta matéria que foram omitidos, como a referência geral aos direitos sindicais e a aspectos centrais de um contrato bilateral, como a duração do trabalho. No entanto, estes estão incluídos na recomendação, cujas disposições devem ser consideradas em conjunto com as da Convenção. De fato, amplo espaço é dedicado à promoção do direito à liberdade de associação, à constituição de organizações sindicais e à criação de condições favoráveis à negociação coletiva neste setor, com especial atenção ao fornecimento de informações relevantes para esse fim. A Recomendação também estabelece disposições fundamentais relativas a salários e duração do trabalho. Talvez a disposição mais importante seja aquela que busca garantir que "a remuneração recebida pelos trabalhadores de plataformas digitais seja pelo menos equivalente ao salário mínimo, estabelecido por lei ou negociado, de outros trabalhadores em situação comparável". Em relação à jornada de trabalho, que é um dos elementos mais complexos devido à sua "elasticidade" na determinação da prestação de atividade, os períodos de espera e sua compensação financeira são regulamentados, deixando-se para os ordenamentos nacionais o estabelecimento de limites para a jornada de trabalho diária e semanal, pausas do trabalho e períodos mínimos de descanso diário e semanal.

Este é, em resumo, o conteúdo da regulamentação internacional que deve ser definitivamente aprovada dentro de um ano na Conferência Internacional do Trabalho em junho de 2026. Trata-se, obviamente, de um passo à frente no desenvolvimento progressivo da expansão da noção de trabalho decente a espaços econômicos e atividades de trabalho que antes lhe permaneciam alheios ou imunes. É um processo no qual a Convenção 189 sobre trabalhadores domésticos é, sem dúvida, emblemática, e no qual este novo instrumento regulatório também deve desempenhar um importante papel exemplar. Em relação ao nosso país [Espanha], o principal desafio é transpor a diretiva 2024/2031, indo além do quadro de plataformas de entrega regulamentadas pela lei 12/21. No entanto, a iniciativa internacional pode, sem dúvida, contribuir para uma mudança legislativa mais ambiciosa e salvaguardada neste setor produtivo.