Junto com a chegada da pandemia do novo coronavírus, foi verificado aumento na disseminação das chamadas fake news. Receitas milagrosas para se prevenir da Covid-19 e até falsos relatos da cura por medicamentos como a hidroxicloroquina não são raros. Além de ter potencial para gerar a morte de milhares de pessoas quando atua no campo […]
Junto com a chegada da pandemia do novo coronavírus, foi verificado aumento na disseminação das chamadas fake news. Receitas milagrosas para se prevenir da Covid-19 e até falsos relatos da cura por medicamentos como a hidroxicloroquina não são raros. Além de ter potencial para gerar a morte de milhares de pessoas quando atua no campo da saúde, as informações falsas, de forma geral, colocam a classe trabalhadora do olho do furacão ao promover um ambiente público totalmente antidemocrático.
A prática da disseminação de informações falsas ou da manipulação de conteúdos para adquirir vantagens, aumentar audiência, convencer, gerar paixões não é nova. Estudo do Centro Internacional para Jornalistas, nos Estados Unidos, mostra que a primeira manifestação das chamadas fake news foi registrada ainda no século 4 a.C. Foi quando Otávio, que viria a ser o imperador romano Augusto, promoveu uma campanha de difamação contra Marco Antônio. O objetivo foi manchar a reputação do rival para obter vantagens na disputa pelo comando do Império Romano.
A novidade introduzida no tema das informações falsas é a rapidez e o alcance de sua propagação com o advento da Internet e das redes sociais. Bastam alguns cliques para que milhares de pessoas em todo mundo recebam o mesmo conteúdo. O resultado disso é a obstrução da construção do pensamento crítico, a polarização da sociedade e o prejuízo da realização do debate público.
Foi dessa maneira, com investimentos pesados na disseminação em massa de informações falsas e ou manipuladas, que foram garantidos resultados considerados praticamente impossíveis, como a eleição do presidente Donald Trump, nos Estados Unidos, em 2016, e de Jair Bolsonaro, no Brasil, em 2018.
Tanto nos Estados Unidos como no Brasil, a estratégia foi de se apropriar de dados pessoais dos cidadãos e enviar mensagens de forma seguimentada, levando em consideração a inclinação política de cada grupo que receberia o conteúdo. Junto, ataques a candidatos que disputavam o pleito, a organizações da sociedade civil e ao jornalismo profissional.
Nos estados Unidos, uma grande aliada de Trump foi a Cambridge Analytica, de Steve Bannon. A empresa conseguiu ilegalmente dados de 87 milhões de cidadãos norteamericanos através do Facebook.
Aqui no Brasil, as evidências da participação da empresa de Bannon nas eleições presidenciais são várias, mas não há nada oficializado. Inclusive, o número 3 de Bolsonaro, Eduardo, realizou reuniões com o ex-estrategista da campanha de Trump, com direito à selfie.
Para não ficar apenas nas evidências, em outubro de 2018, o WhatsApp admitiu que empresas privadas fizeram contratos de até 12 milhões para disparo em massa de mensagens contra o PT. Entre as empresas, as Lojas Havan, do bolsonarista assumido Luciano Hang.
Segundo o Relatório Mídia Digital Reuters de 2019, o aplicativo que os brasileiros mais usam para consumir e compartilhar notícias é o WhatsApp. Aqui, 53% dos usuários usam o aplicativo para este fim. Pelo estudo, estamos em primeiro lugar em uma lista de 38 países pesquisados.
Desinformação: quando o alvo é a classe trabalhadora
Pesquisadores, organizações nacionais e internacionais que atuam em defesa dos direitos humanos, organizações civis concordam que o termo fake news é desapropriado para designar o problema da disseminação de informações falsas e ou manipuladas. Eles preferem chamar o fenômeno de desinformação.
A prática da desinformação não é algo provido de ingenuidade ou resultado de equívoco. Disseminar informação falsa é algo feito de forma organizada, em escala industrial e com objetivos de obter ganhos políticos e econômicos, como foi realizado nas eleições presidenciais do Brasil e dos Estados Unidos.
“A desinformação acontece quando informações inventadas para produzir lucros ou comprometer a reputação das pessoas passam a influenciar o debate público nas redes e fora delas. Uma característica central desses conteúdos é que são produzidos de forma organizada e intencional para enganar”, afirma o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI).
Ao atingir seus objetivos usando como cartada final a desinformação, Bolsonaro atacou frontalmente a classe trabalhadora. Umas das estratégias utilizadas durante a campanha eleitoral foi lançar acusações infundadas sobre a CUT, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), partidos de esquerda e as organizações sindicais de forma geral, bem como seus líderes, manipulando a opinião pública sobre esses setores.
Já empossado como presidente do Brasil, Bolsonaro deu início a uma agenda de retrocessos e retirada de direitos trabalhistas, que vem se aprofundando diante dos impactos da pandemia do Coronavírus. Inviabilidade da aposentadoria, com a Reforma da Previdência; serviços públicos sucateados; ataque às organizações sindicais; contratos de trabalho precarizados com a Carteira Verde e Amarela são alguns exemplos. E mais recentemente, a minimização dos efeitos de um vírus letal, forçando o retorno em massa dos trabalhadores aos seus postos de trabalho – e colocando suas vidas em risco – para salvar o negócio de grandes empresários.
“A eleição de Bolsonaro é a prova mais viva de que a classe trabalhadora deve estar à frente da luta contra as chamadas fake news. Quem dissemina fake news é quem tem dinheiro. E, normalmente, quem tem dinheiro é avesso aos direitos da classe trabalhadora. Uma notícia falsa pode ser fatal à pauta da classe trabalhadora, à organização sindical e também à democracia”, avalia o presidente da CUT-DF, Rodrigo Rodrigues.
O casamento entre as atuais ações de Bolsonaro e notícias falsas que rodam nas redes sociais não é mero acaso. Ao mesmo tempo em que Bolsonaro faz discursos oficiais chamando a Covid-19 de “gripezinha” e gera aglomerações em passeios pelo comércio do DF – indo contra orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS), do Ministério da Saúde e decreto distrital –, conhecidos perfis bolsonaristas espalharam no Twitter a história de que o primo do porteiro de alguém teria morrido trocando um pneu, e teve o óbito classificado como Covid-19.
A informação falsa é um dos exemplos de como vem sendo articulada a minimização das graves consequências do Covid-19, fortalecendo a ideia de que “o Brasil não pode parar”, propagada por Bolsonaro e grandes empresários.
“Enquanto os trabalhadores são pressionados a voltar ao trabalho, os empresários que inflam a ideia de Bolsonaro se isolam em suas mansões e fazem da quarentena período de férias. O que eles querem é apenas salvar lucros, mesmo que isso signifique sacrificar vidas. No caso, a vida de trabalhadoras e trabalhadores de todo país”, o presidente da CUT-DF.
Retirada de conteúdo
Mundialmente, as iniciativas para tentar frear o problema da desinformação se mostram simplistas e autoritárias.
No Congresso Nacional, cerca de 20 projetos tratam sobre o tema das chamadas fake news. Praticamente todos eles atuam em dois sentidos: criminalizam o cidadão que está na ponta ou conferem aos oligopólios digitais de comunicação o direito de decidir sobre a retirada de conteúdo.
Recentemente, postagens do próprio Jair Bolsonaro foram retiradas do Facebook e Twitter por violarem as normas de redes sociais.
“Existe um risco muito grande de a gente achar que a solução para o fenômeno da desinformação é a retirada massiva de conteúdo pelas plataformas. A gente está atribuindo a grandes monopólios digitais uma responsabilidade de gerir a esfera pública. Se a gente entende que cabe a um agente privado que tem um poder de disseminação gigantesco tomar uma decisão sobre retirar ou não um conteúdo de um chefe de Estado, olha o nível de responsabilidade que nós estamos atribuindo a este ator. Isso não quer dizer que não seja absolutamente condenável o que o presidente Jair Bolsoanro tenha feito”, afirma a coordenadora do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social Marina Pita, em entrevista ao podcast CUT no Ar.
No ano passado, chegou a ser aprovado um substitutivo à lei eleitoral que determina detenção de 2 a 8 anos para quem compartilhar notícia falsa no contexto eleitoral. Ao pé da letra da lei, só seria detido quem soubesse que a informação era de fato falsa e, mesmo assim, disseminasse o conteúdo. Entretanto, além de as ferramentas de checagem de fatos serem reduzidas e não conhecidas amplamente , o acesso à internet – e consequentemente a essas agências e institutos de checagem – é restrito à minoria da população e financeiramente não viável à maioria dela.
Segundo estudo realizado pelo Cuponation, para se ter uma internet banda larga no Brasil com velocidade de 60 Mbps, é preciso pagar, em média, R$ 114. O valor representa cerca de 10% de um salário mínimo. Fora o custo de comprar um computador de mesa, mais conhecido como desktop.
Entretanto, de acordo com pesquisa da TIC Domicílios 2017, produzida pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC.Br), apenas 7% de domicílios das classes D e E têm acesso à web e computador. Consequentemente, as classes de menor renda se conectam à internet prioritariamente pelo celular. O principal problema disso, pelo estudo, são as dificuldades para pagar os pacotes de internet móvel oferecidos pelas empresas de telefonia.
Para a coordenadora do Intervozes, quem deve decidir sobre a retirada de conteúdos das plataformas digitais deve ser a Justiça. “A gente precisa ponderar que a Justiça brasileira está longe de ser a ‘Justiça dos sonhos’, aderente a uma Constituição baseada em direitos sociais. Além disso, o sistema pode ser moroso, pouco qualificado para as necessidades que nós temos hoje diante desse cenário de convergência digital, mas a resposta talvez seja a gente qualificar o sistema de Justiça e torná-lo mais célere para responder algumas demandas”.
Dicas para não cair em fake news
Com a variedade de conteúdo que roda nas redes sociais e o aprimoramento da tática realizada pelos propagadores das chamadas fake news, é difícil saber o que é fato e o que é falso. Mas algumas dicas são importantes para não cair no jogo da desinformação:
1 – Quando receber uma notícia sem fonte, não repasse.
2 – Confira o conteúdo que você recebeu nas agências de checagem para saber se ele é realmente verdadeiro, como Lupa, Aos Fatos e Comprova;
3 – Desconfie se a notícia tiver muitos adjetivos, exagero, sensacionalismo ou se trouxer teoria da conspiração;
4 – Não leia só o título da notícia que receber;
5 – Não compartilhe seus dados pessoais. CPF, RG, nome, endereço, idade e vários outros dados são o sonho das organizações que aplicam golpes;
6 – Desconfie de links de doação;
7 – Não baixe aplicativos desconhecidos.
Fonte: CUT-DF