Escrito por: Brasil de Fato do DF
Estudo “Como Anda Brasília” apontou recortes sociodemográficos sobre o deslocamento de pessoas para trabalhar e estudar
O Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF) divulgou o estudo “Como Anda Brasília” com o objetivo de revelar como a população do Distrito Federal se desloca para trabalhar ou estudar, com recortes de acordo com sexo, idade, raça e renda. O estudo foi realizado a partir de dados coletados na última Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD), de 2021.
Segundo o estudo, ônibus e automóvel foram os meios de deslocamento mais utilizados e o deslocamento a pé foi o meio mais utilizado na mobilidade ativa.
O recorte baseado nas regiões administrativas de deslocamento residência-trabalho revela que os moradores do Lago Sul (97,5%), Sudoeste/Octogonal (88,4%) e Lago Norte (86,9%) são os que mais utilizaram o automóvel como meio de transporte principal enquanto os moradores do Sol Nascente/Pôr do Sol (62,8%), Paranoá (58,1%) e São Sebastião (53,1%) foram os que mais utilizaram ônibus.
Já no deslocamento entre a residência e o local de estudo, os residentes do Park Way (77,9%), Lago Sul (76,9%) e Sudoeste/Octogonal (76,8%) foram os que mais utilizaram o automóvel, enquanto o uso do ônibus foi maior no Itapoã (45%), Sol Nascente/Pôr do Sol (42,7%) e Riacho Fundo II (37,6%), e do metrô em Águas Claras (7,3%), Guará (3,4%) e Ceilândia (2,3%).
O recorte sociodemográfico revela que as mulheres negras são as que mais se deslocaram para o trabalho de ônibus (45,5%) e a pé (12,7%), seguidas pelos homens negros (32,5% e 9%, respectivamente). Já os que mais se deslocaram para o trabalho de automóvel foram os homens não negros (61,1%) e mulheres não negras (53,9%).
Sobre esses dados, Neliane Maria, professora e militante da Frente de Mulheres Negras do DF, comenta que falar de mobilidade urbana para mulheres negras vai além do acesso ou não a um carro.
“Muitas vezes fiz baldeações desnecessárias, ou gastei mais tempo e dinheiro de um destino ao outro, porque não havia informação de rotas e alternativas. Somado a isso, o alto custo, a má qualidade do transporte (que já me obrigou numa ocasião a empurrar um ônibus). Falar de mobilidade urbana para nós, mulheres negras, vai além de ter acesso ou não a carro. Se trata da sobrevivência no direito de ir e vir, que infelizmente, quando tentamos exercê-lo a pé ou de transporte público, corremos riscos com o racismo estrutural que nos destrata com a precariedade dos veículos, a violência sobre nossos corpos, desinformação e jornadas de trabalho ainda mais exaustivas”, afirmou.
Os dados do estudo "Como anda Brasília" tem a mesma fonte de pesquisa que o Mapa das Desigualdades, lançado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em abril deste ano. O Mapa destaca que o Distrito Federal é um território negro, com 57,4% de população assim autodeclarada. E apontou que no campo da mobilidade urbana "a circulação, acesso e possibilidades de interação com o conjunto da cidade ocorrem de formas distintas no Distrito Federal, em desfavor das Regiões administrativas mais pobres e negras. Estas desigualdades espaciais na mobilidade urbana podem ser analisadas com base em indicadores diversos sobre infraestrutura, formas de circulação e capacidade de deslocamento", observa trecho da pesquisa.
População negra anda mais pela cidade
Paíque Duques Santarém, antropólogo, urbanista e militante do Movimento Passe Livre do Distrito Federal e Entorno, explica o fenômeno.
“O primeiro ponto que a gente percebe nessa pesquisa é de que a população negra anda muito mais pela cidade do que a população branca. É um aspecto que mesmo com toda a iniciativa de controle de segregação feita pela cidade, a população negra circula, vive e constrói a cidade. A classe trabalhadora, do qual a população negra é grande maioria, também circula e faz a cidade acontecer. Uma vez que o setor mais precarizado e mais empobrecido da população tem as piores relações trabalhistas e tem menos CLT, nós temos essas mulheres negras utilizando mais transporte coletivo especialmente pela condição do trabalho de doméstica junto com outras demandas como de levar o filho da escola, de fazer compras no mercado”, afirmou.
Os dados por renda, no deslocamento residência-trabalho, revelam que na faixa de até um salário mínimo tanto homens como mulheres utilizaram mais o ônibus para ir ao trabalho (42,8% e 54,5%, respectivamente), assim como na faixa de um a dois salários mínimos (48,2% e 63,5%). Nas faixas acima, o cenário se inverte: o automóvel foi o mais utilizado por ambos os sexos, com percentual crescente de acordo com a renda, seguido do ônibus.
“A luta do Movimento Passe Livre é mudar a função do transporte coletivo na cidade. Hoje ele funciona para segregar, para controlar a população, para realizar domínio de classe, para realizar dominação racial, realizar dominação de gênero. Nós temos que mudar ele para ser um exercício de liberdade, uma forma de combate a essas violências.”, concluiu Paíque Duques.