Delegações de povos indígenas de todo o Brasil se apresentaram no evento; carta pede urgência na demarcação de terras
No primeiro dia do Acampamento Terra Livre (ATL) 2024, milhares de indígenas de todas as regiões do Brasil se reuniram em Brasília para lutar por direitos dos povos originários e pela demarcação de terras. O eixo central da discussão desta segunda-feira (22) foi o legado da maior mobilização indígena do país, que neste ano chega a vigésima edição. As lideranças também entregaram uma carta com pedidos direcionados aos três poderes da República.
“A gente tem esperança de que o Estado brasileiro demarque nossa terra, porque sem ela, a gente não consegue viver de forma que nossa cultura permite”, defendeu Hélio Verá da Comissão Guarani Yvypura ao falar da importância dos 20 anos de ATL.
“É através do Acampamento que a gente consegue ter diálogo com governos, deputados e parlamentares. Sem ter a terra demarcada, a gente não tem direito a ter saúde, ao atendimento diferenciado. Por isso que eu peço que o Estado brasileiro olhe para nossas famílias e também para o nosso direito que está garantido na Constituição brasileira. Nós somos brasileiros e os verdadeiros donos da terra”, completou.
São esperados mais de 8 mil pessoas e mais de 200 povos indígenas de todo o país, segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que organiza o ATL em conjunto com suas sete organizações regionais de base: Apoinme, ArpinSudeste, ArpinSul, Aty Guasu, Conselho Terena, Coaib e Comissão Guarani Yvyru
“Seguimos mobilizados e na luta. O ATL é a maior mobilização indígena do Brasil e a expectativa é que o ATL 2024 seja o mais participativo de toda a história, tanto em número de pessoas, quanto de representatividade de povos. É o momento de nos unirmos nas assembleias e debater os próximos caminhos”, diz Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib.
Resistência indígena
A manhã do primeiro dia de mobilização indígena no Complexo Cultural Funarte começou com apresentação de diversas delegações indígenas. Povos de todos os biomas do país estão presentes no 20° ATL.
“Celebramos 20 anos de luta e resistência do ATL. Uma trajetória que mostra a força de quem sempre esteve aqui, um exemplo do acúmulo de forças através da unidade dos povos. Em 2004 começamos o ATL com centenas de indígenas e, hoje, somos milhares”, comemorou a Apib.
A tenda de Coiab recebeu a apresentação da delegação do Povo Parakanã, indígenas de recente contato da região do estado do Pará, que participam pela primeira vez do Acampamento.
Os povos Guarani Kaiowá, Pankará, Guarani Mbya, Kisedje, Kamayurá, Rikbatsa, Kayapó Pankararu, Pankararu Entre Serras, Pankararu Opará, Pankararu Angico, Fulni-ô,Xukuru Kariri,Kambiwa, Delegação do Povo Potiguara da Paraíba, Povos do Ceará,Pataxó de Minas Gerais e Tupinikim do Espírito Santo também se apresentaram neste primeiro dia de luta.
Além de uma reflexão sobre os 20 anos do ATL como ferramenta de luta política, os participantes também relembraram a atuação de lideranças históricas do Movimento Indígena. Nega Pataxó, liderança indígena morta por ruralistas no sul da Bahia em janeiro deste ano, foi homenageada em ato de denúncia da violência contra povos originários.
Na plenária “Anciãos, Anciãs e Juventude Indígena: Teias de Resistência e Fortalecimento da luta”, os participantes falaram sobre o legado de mobilização das lideranças indígenas e dos jovens que seguem os caminhos de luta.
“Quando começou o ATL a gente não tinha tanta estrutura nem tanto apoio quanto hoje, e mesmo assim, as lideranças que começaram na época foi na raça de querer ver a sua terra demarcada”, declarou Leonardo, liderança do povo guarani, que participou da plenária.
Manifesto Indígena
Maior manifestação indígena do país, uma das programações deste primeiro dia foi a apresentação da Carta dos Povos Indígenas do Brasil aos Três Poderes do Estado.
No documento, os indígenas apontam que apesar da mudança de governo, “ as ameaças aos nossos territórios, culturas e direitos persistem, reforçadas pelo contexto do ano mais quente já registrado na história, evidenciando a contínua emergência indígena”. Além disso, reforçam os efeitos da aprovação da Lei nº 14.701/2023 sobre os povos originários. “A nova lei proporciona a ‘legalização’ de crimes e premia os invasores dos territórios. Apenas no primeiro mês da Lei no 14.701/2023, a expansão do agronegócio e o arrendamento de terras para monoculturas e garimpo causaram 09 assassinatos de indígenas e 23 conflitos em territórios localizados em 07 estados e 05 biomas”.
A Carta apresenta 19 exigências e urgências do movimento indígena ao Governo Federal, entre estes: finalização do processo de demarcação das 23 Terras Indígenas cujos processos administrativos de demarcação aguardam portaria declaratória; determinação política e dotação orçamentária para o prosseguimento da demarcação, homologação, proteção e garantia da posse plena e permanente de todas as Terras Indígenas; fortalecimento do Ministério dos Povos Indígenas, FUNAI e Sesai com dotação orçamentária robusta e compatível com os desafios de fortalecer as políticas e ações voltadas para os povos indígenas.
Ao Poder Legislativo, solicitam três medidas, como por exemplo, a retirada de tramitação e arquivamento definitivo das Propostas de Emenda à Constituição que desconstitucionalizam os direitos indígenas, a exemplo da PEC 132/2015, PEC 48/2023, PEC 59/2023 e PEC 10/2024.
Ao Poder Judiciário, o movimento indígena também pede três medidas, entre essas a declaração de inconstitucionalidade imediata da Lei nº 14.701/2023 “para conter as violências contra os povos indígenas, reafirmando o Direito Originário e excluindo em definitivo a aplicação da tese do Marco Temporal, em consonância com a decisão do julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365”.
Carta dos Povos Indígenas do Brasil aos Três Poderes do Estado Acampamento Terra Livre, Brasília, 22 de abril de 2024
Ao marcar os vinte anos de luta e resistência do Acampamento Terra Livre, a maior manifestação indígena do Brasil, redigimos esta carta no contexto de um momento crucial para os povos indígenas do Brasil. Apesar da recente mudança de governo, as ameaças aos nossos territórios, culturas e direitos persistem, reforçadas pelo contexto do ano mais quente já registrado na história, evidenciando a contínua emergência indígena. Seguimos afirmando a URGÊNCIA para as demarcações de nossas Terras! Presidente Lula, não queremos viver em fazendas! A proposta feita de comprar terras para assentar nossos povos afronta o direito originário de ocupação tradicional assegurado pela Constituição Federal de 1988. Já estamos no segundo ano de Governo, e as suas promessas sobre demarcações continuam pendentes. Rui Costa, Ministro Chefe da Casa Civil, segue “mandando” sobre as homologações de Terras Indígenas e não podemos admitir esta situação.
Em recente declaração do presidente Lula, foi mencionado que os governadores precisam de “um tempo” para negociar sobre as demarcações de terras indígenas. Mas e o nosso tempo, os tempos dos povos indígenas? Nosso tempo é agora, urgente e inadiável. Enquanto se discute marcos temporais e se concede mais tempo aos políticos, nossas terras e territórios continuam sob ameaça, nossas vidas e culturas em risco e nossas comunidades em constante luta pela sobrevivência. Não podemos simplesmente dar um tempo enquanto nossos direitos fundamentais estão sendo negligenciados. O tempo que queremos é o tempo de ação imediata, onde cada segundo conta para honrarmos nossa ancestralidade e para proteger o futuro de nossas gerações e da humanidade.
Basta de genocídio legislado! Nossos direitos não podem ser negociados e ninguém tira os Direitos Indígenas da Constituição! A entrada em vigor da Lei no 14.701/2023 é o maior retrocesso aos nossos direitos desde a redemocratização e resulta no derramamento de sangue indígena em todo o país. O assassinato da Pajé Nega Pataxó Hã-Hã-Hãe pelo atentado de milicianos contra a retomada do território Caramuru-Paraguaçu, na Bahia, é exemplo disso. A nova lei proporciona a “legalização” de crimes e premia os invasores dos territórios. Apenas no primeiro mês da Lei no 14.701/2023, a expansão do agronegócio e o arrendamento de terras para monoculturas e garimpo causaram 09 assassinatos de indígenas e 23 conflitos em territórios localizados em 07 estados e 05 biomas. A bancada do boi e da bala atenta contra nossas vidas e territórios e quer tirar os direitos indígenas da Constituição, mas o STF reafirmou que nossos direitos originários não podem sofrer retrocessos.
Enquanto eles querem passar a boiada, nós aldeamos o Estado! Depois de muita luta e articulação da Campanha Indígena, elegemos a Bancada do Cocar no Congresso Nacional e ocupamos pela primeira vez cargos de alto escalão no Governo Federal e em Governos Estaduais. Mas, para seguir ocupando espaços de poder, precisamos da regulamentação das ações afirmativas para enfrentar o racismo institucional. Dessa forma, reconhecemos os esforços do Tribunal Superior Eleitoral e do Conselho Nacional de Justiça em garantir reserva de fundos e de propaganda eleitoral para candidaturas indígenas e de pelo menos 3% das vagas para indígenas em concursos públicos para a Magistratura. Contudo, precisamos que os 3 Poderes se comprometam com a regulamentação imediata e com a ampliação de cotas para pessoas indígenas em todos os concursos públicos.
Alguns veículos de comunicação têm dito que o ATL excluiu a presença de Lula na mobilização, mas na verdade quem está sendo excluído são os povos que não têm tido suas Terras demarcadas. Na iminência da Amazônia brasileira sediar a COP 30, temos pouco a comemorar enquanto nossos direitos territoriais e nossos saberes ancestrais não forem compreendidos como a principal solução para a emergência climática.
Diante desta realidade inegável, esta carta, endereçada aos três poderes do Estado – Executivo, Legislativo e Judiciário –, carrega as exigências e urgências do nosso movimento. Nós da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em conjunto com todas as nossas organizações regionais de base (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste (Arpinsudeste), a Assembleia Geral do Povo Kaiowá e Guarani (Aty Guasu), a Comissão Guarani Yvyrupa, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e o Conselho do Povo Terena) buscamos medidas efetivas que assegurem a proteção e o fortalecimento dos direitos indígenas, alinhadas com a dignidade e a justiça historicamente reivindicadas por nossos povos.
Ao Poder Executivo
Ao Poder Legislativo
Ao Poder Judiciário
SEM DEMARCAÇÃO NÃO HÁ DEMOCRACIA! DIGA AO POVO QUE AVANCE!
NOSSO MARCO É ANCESTRAL SEMPRE ESTAREMOS AQUI!