Escrito por: Vanessa Galassi

Home office e os desafios da organização sindical | Parte 2

Reforma trabalhista: trampolim para interessados na exploração embutida no home office

O trabalho em domicílio, que ganha glamour ao ser chamado de home office, é uma prática antiga. As costureiras que recebiam matéria prima e entregavam peça pronta são um exemplo disso.

Entretanto, na legislação, o trabalho em domicílio é reconhecido em 2011, quando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é alterada e passa a dizer que, para configuração de emprego, não importa se o trabalhador está ou não no espaço físico do empregador. Nessa nova configuração, o que interessa é se o trabalhador presta serviço com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação, ainda que os comandos sejam feitos por instrumentos telemáticos.

O reconhecimento do trabalho em domicílio feito em 2011 na CLT não foi acompanhado de uma regulamentação específica. Isso foi feito em 2017, no governo Michel Temer, com a famigerada reforma trabalhista, voltada para o interesse do empregador.

De acordo com a professora de Direito e Processo do Trabalho da Universidade de Brasília Renata Dutra, “em alguma medida, a reforma trabalhista chega a cancelar qualquer resposta à precarização do trabalho em domicílio”. “Pela reforma trabalhista, além de as responsabilidades do empregador quanto ao trabalhador não estarem concretamente previstas, o trabalhador em regime de teletrabalho não está submetido a controle de jornada”, alerta a docente que coordena a Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista da UnB.  

Ela explica que o trabalhador que está em regime de home office tem proteção a uma jornada superior a 8 horas por dia, “mas o fato de a jornada não ser controlada, faz com que ele não possa discutir eventuais excessos para reivindicar horas extras, intervalos e etc. Ou seja, embora a referência geral de 8 horas diárias e 44 horas semanais prevaleça, ela acaba sendo impassível de controle”, afirma.

Aprovada três anos antes do início da pior crise sanitária do século, a reforma trabalhista vem sendo a grande aliada dos empregadores na pandemia da covid-19. E foi em um cenário marcado pela morte de mais de 600 mil pessoas, 15 milhões de desempregados e 20 milhões de famintos que esses empregadores e seus representantes políticos fizeram do home office um ótimo negócio.

Com justificativa no estado de calamidade pública gerado pelo novo coronavírus, o governo Jair Bolsonaro editou em março de 2020 a Medida Provisória 927, que vigorou por mais de quatro meses – não fosse a pressão da classe trabalhadora, provavelmente ainda estaria vigente. Entre outras imposições, a chamada MP da Fome adiava recolhimento do FGTS de trabalhadores, fazia mudanças sobre direitos trabalhistas históricos, como férias, e permitia que trabalhadores fossem colocados em teletrabalho independentemente de acordo individual ou coletivo com o empregador.

Uma das reações à ampliação de home office de maneira não planejada e sem qualquer tipo de preocupação com os riscos ocupacionais gerados pelo regime trabalhista foi a nota técnica nº 17/2020 do Ministério Público do Trabalho. Nela, entre outras questões, o MPT recomenda que os empregadores adotem mecanismos de controle de jornada do trabalhador.

A recomendação, entretanto, parece não ter sido levada a sério. Levantamento do próprio MPT, realizado neste ano, mostrou que denúncias de exploração dos trabalhadores em regime de home office aumentaram em 4.205% durante a pandemia da covid-19.

Isolados e expostos a uma jornada desumana, trabalhadores perderam também a capacidade de estabelecer defesas coletivas. “Quando você se isola, você perde a possibilidade de falar sobre esse desconforto do trabalho e de se articular coletivamente para estabelecer estratégias de defesa. E do mesmo jeito que nossa saúde mental precisa do coletivo de trabalho, os trabalhadores, para se organizar, para reivindicar o cumprimento de direitos, precisam estar organizados coletivamente. Trabalhadores pulverizados em seus domicílio representam um desafio para essa organização coletiva, para a participação sindical, para os processos reivindicativos. E, neste cenário, o trabalhador se torna mais vulnerável ao empregador”, explica a professora de Direito e Processo do Trabalho da UnB Renata Dutra.

Segundo a docente, “a vida, a proteção da saúde, o bem estar dos trabalhadores, a construção de relações de trabalho democráticas, não eram objetivo da reforma trabalhista e nem são das medidas provisórias que foram editadas pelo governo Bolsonaro (sob o pretexto da pandemia)”. Mesmo assim, no momento mais crítico da vida do povo brasileiro no último século, continuam sendo usadas sem nenhum pudor.

 

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