Emancipação das mulheres só será possível com a luta feminista transversalizada
“A luta feminista precisa envolver solidariedade. Se não levadas em consideração as opressões que transversalizam a vida das mulheres, nenhuma de nós conseguirá emancipação”, Thaísa Magalhães
Publicado: 11 Dezembro, 2020 - 13h23 | Última modificação: 11 Dezembro, 2020 - 13h58
Escrito por: Vanessa Galassi
Ao ver uma coisa repetidas vezes, ela se torna normal. Dessa maneira, o capacitismo, a homofobia, o racismo e tantas outras formas de opressão são, muitas vezes, consideradas inerentes ao viver, principalmente quando desferidas contra as mulheres. É neste sentido que a luta feminista se constrói levando em consideração as várias realidades, desafios e tipos de opressão existentes entre as próprias mulheres. A conclusão foi realizada no webnário “Busca por equidade de direitos: desafios das mulheres dos Direitos Humanos”, idealizado pela CUT-DF, nessa quinta-feira (10/12).
“A luta feminista precisa envolver solidariedade. Se não levadas em consideração as opressões que transversalizam a vida das mulheres, nenhuma de nós conseguirá emancipação”, afirma a secretária de Mulheres Trabalhadoras da CUT-DF, Thaísa Magalhães.
Durante o webnário, a sindicalista avaliou que as últimas eleições municipais, que registraram a vitória de mulheres transexuais e negras, mostraram que “a sociedade não está mais tão apta a aceitar que a cultura seja tão opressora, mas que ainda há um desafio enorme para construir uma sociedade transformadora”. “Não há política para inserção (de mulheres) no mercado de trabalho, não tem política pra gerar renda e emprego; mulheres empregadas no setor privado e público sofrem diversos tipos de assédios”, lembrou.
https://www.youtube.com/watch?v=c8u7C_D-uF4&ab_channel=CUT-DF
Para a deputada federal Erika Kokay (PT-DF), uma das facilitadoras do webnário, “a luta por equidade de gênero é estruturante”. “Sem ela não podemos construir uma sociedade democrática”, refletiu. A parlamentar, que sempre esteve inserida na luta feminista, lembrou que para além do feminicídio registrado em números, há também ofeminicídio simbólico, reforçado inclusive institucionalmente. “O discurso do presidente (Jair Bolsonaro) falando que a deputada Maria do Rosário não ‘merecia ser estuprada’ – como ser estuprada fosse um prêmio –, vira hematoma também”, exemplifica.
Se o fato de ser mulher, por si só, é determinante para que haja opressão, a realidade é bem pior quando ogênero se soma a outras condições impostas a grupos discriminados. “A maioria das pessoas com deficiência em idade economicamente ativa trabalha no mercado informal. E no mercado formal, embora haja mais mulheres com deficiência, 63% é ocupado por homens com deficiência”, disse durante o webnário da CUT-DF a diretora e coordenadora do Coletivo de Trabalhadores/as com Deficiência da CUT-DF, Anna Paula Feminella.
Ela lembra que, em um mundo com mais de 1 bilhão de pessoas com deficiência, ainda é imposto às mulheres nesta condição a indiferença ou a pena, a dificuldade de encontrar vagas de trabalho, o questionamento da capacidade, o excesso de supervisão. “Nossas limitações não nos honram, não nos vitimizam e não deveriam nos envergonhar”, considera. Segundo Feminella, para romper com o ciclo que vulnerabiliza as mulheres com deficiência, é preciso que “a luta da classe trabalhadora atinja todas as mulheres”. “Nossas diferenças (das mulheres com deficiência) não nos afastam das demais mulheres na questão dos direitos humanos”, afirma categórica.
Aos 30 anos, a secretária de Juventude da CUT-DF, YsleneRayanne, lembra que o grupo de mulheres jovens também enfrenta problemas específicos. “A mulher jovem tem mais dificuldades para entrar no mercado de trabalho por não ter experiência. Já o homem é inserido (no mercado de trabalho) para ter experiência. A mulher tem que ter entre dois ou três anos de experiência a mais que os homens para conquistar uma vaga de trabalho”, explica a sindicalista. Também secretária de Comunicação do Sintect-DF, que representa trabalhadoras/es dos Correios, a carteira lembra a realidade se agrava ainda mais quando se é uma mulher jovem e negra.
Mesmo diantedo cenário marcado pela violência de gênero, a dirigente sindical conta que, em um contexto de ataque generalizado à classe trabalhadora, as mulheres são as que mais perdem. “Na nossa última campanha salarial, com uma greve de 36 dias, das 79 cláusulas (do acordo coletivo), a empresa (Correios) cortou 50. Dessas, 15 atingiram diretamente as mulheres trabalhadoras, com questões como a redução da licença maternidade de seis para quatro meses”, denunciou.
Com a citação do Dossiê sobre Lesbocídio no Brasil, realizado de 2014 a 2017, a militante da Marcha Mundial das Mulheres Rose Uranga, que também participou como facilitadora do webnário dessa quinta, disse que “as lésbicas são tratadas como forasteiras”. Ela reforçou que a sociedade tem a heterossexualidade como modelo dominador e que, neste sentido, ser lésbica exige a necessidade de “sempre se comprovar útil e capaz”. “No nosso país, 60% dos trabalhadores preferem esconder a orientação (sexual), e entre os que revelam, 40% não se sentem a vontade para falar sobre o assunto”, disse e continuou: “Só queremos que nos respeitem e respeitem o que queremos”.
Para a secretária de Mulheres da CUT-DF, Thaísa Magalhães, a mudança do cenário exige o rompimento com o modelo patriarcal, sustentado pelo capitalismo. “Para que mulheres tenham mais direitos, é necessário que seja tirado privilégios de alguém. E é muito difícil que a classe dominante, de homens brancos, abra mão desses privilégios”, alerta.
Papel do sindicato
Provocadas pela secretária de Mulheres da CUT-DF, todas as facilitadoras do webnário “Busca por equidade de direitos: desafios das mulheres dos Direitos Humanos” disseram que as organizações sindicais têm papel fundamental na luta pelo combate às violências contra as mulheres. Para elas, o caminho mais indicado para fortalecer essa luta é o da formação da base. Promoção de debates sobre o tema, conversas diretas e produção de conteúdos nos diversos formatos de mídia foram algumas sugestões citadas na atividade.
Ativismo
O webnário “Busca por equidade de direitos: desafios das mulheres dos Direitos Humanos” foi o último do ciclo realizado durante a campanha 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, encerradanesse 10 de dezembro, Dia dos Direitos Humanos.
Ao longo dos 21 dias, a CUT-DF realizou uma série de debates e produziu vídeos explicativos sobre temas recorrentes na vida das mulheres, como o racismo, os diversos tipos de assédio inclusive no mundo do trabalho, as legislações vigentes e o ataque do governo Bolsonaro. Veja abaixo os links para os debates realizados e os vídeos produzidos.
Webnários
Webnário - Desafios e violências impostos às mulheres negras pelos governos neoliberais
Webinário - Assédio moral e sexual nos locais de trabalho: Convenção 190 OIT
Webinário Busca por equidade de direitos: desafios das mulheres dos Direitos Humanos
Vídeos-pílula
21 Dias de Ativismo | Pelo fim da Violência Contra as Mulheres