Escrito por: Marina Maria
"Da porta pra fora" estreia na próxima semana
Com a narrativa centrada no dia a dia de três entregadores por aplicativo de Brasília, no período do auge da pandemia da Covid-19, o documentário “Da porta pra fora”, será lançado no cine Brasília na próxima segunda-feira (9),a partir das 20h. A entrada é franca.
Dirigida por Thiago Foresti, a obra retrata o cotidiano da cidade a partir da perspectiva desses trabalhadores, cuja atuação, apesar de ser considerada essencial para reduzir os índices de transmissão naquele período, foi extremamente precarizada. Thiago enfatiza que o filme retrata uma realidade de Brasília e por isso esse lançamento ganha força na cidade. O diretor havia inscrito o documentário em uma seleção para ser exibido no cinema há cerca de seis meses.
“Esperamos que esse filme sirva como um alerta para a realidade da precarização do trabalho e contribua para as lutas dessa categoria, que tanto padece pela falta de direitos e vínculos trabalhistas”, afirmou o presidente da CUT-DF, Rodrigo Rodrigues.
A obra
O documentário ─ um dos cinco escolhidos para o festival de gramado entre mais de 170 produções ─ retrata a rotina dos entregadores de março de 2020 a outubro de 2021, período que abarcou vários acontecimentos a nível nacional, mas também na vida dos trabalhadores retratados na obra, como comenta o diretor.
“Eu morava numa kitnet na 716 Norte e ouvia o tempo inteiro as motos passando nas ruas. Nesse período estava todo mundo dentro de casa, só eles estavam na rua, aí tive a ideia de retratar o cotidiano da cidade por meio desses trabalhadores. Eram trabalhadores considerados essenciais, mas que também iam sofrer muito com a pandemia, a categoria deles aumentou muito, muitas pessoas ficaram desempregadas e acabaram procurando esse serviço de entregas, então, aconteceu muita coisa durante esse período que a gente retratou”, afirma Thiago Foresti, que na época trabalhava em home office.
O diretor então começou a sair e abordar os entregadores explicando a ideia do filme. Ao longo dos dias, Foresti e sua equipe receberam vários vídeos e foram escolhendo os personagens.
“A gente foi fazendo uma seleção de quem falava melhor com a câmera, quem tinha uma história mais interessante, quem estava mais disposto a entrar no projeto”, explicou Thiago. A exploração da categoria, a ilusão da autonomia e as mobilizações também foram temas abordados na obra.
Essencial, mas sem proteção
Sem a atenção adequada das empresas e do governo brasileiro, a categoria padeceu com a falta de equipamentos de segurança, ausência de direitos, amparo em caso de acidentes, aumento exponencial da competitividade em virtude do desemprego, falta de vacinação, dentre várias outras mazelas enquanto assumia os riscos de adoecer porque não havia outra forma de sustentar a si mesmos e às suas famílias.
Para Marcos Nunes de Sousa, um dos motoboys que teve sua rotina retratada no documentário, foi um processo doloroso, emocionante e muito satisfatório participar da produção, que ele classifica como “sensacional”.
“Quase perdi meu pai para a Covid nesse período, ele chegou a passar um mês internado. A cada dia que passava a gente se dedicava mais em retratar nossa história. Foi muito difícil trabalhar naquele momento, mas se a gente não fosse pra rua, passava fome. A linha de frente da pandemia fomos nós. Se não tivéssemos trabalhado, quantas pessoas mais não teriam morrido naquele período?”, questiona o motoboy.
Marcos relata também que passou muita fome nas longas jornadas de trabalho, enfrentou o frio e o medo, tanto do vírus quanto da violência. “Passei por tentativas de ser saqueado na rua, porque tinha pouca circulação de pessoas na rua e também pouco policiamento em determinado momento”, afirma.
Fragilidade
Keliane Alves, a única mulher que participou do documentário como personagem, era rodoviária e delegada de base do Sindicato que representa a categoria até poucos meses antes da pandemia. A jovem, que também é cantora, sofreu um acidente durante o período de gravação, o que a impossibilitou de trabalhar por um tempo.
“A gente mostra tudo ali, as nossas fraquezas. Chegou o momento de deixar a câmera ligada e as coisas iam acontecendo”, relata Keliane, que teve que vender a moto por motivos financeiros e diz que hoje está pensando em voltar a trabalhar como entregadora.
“Me vejo como uma lutadora, que continua tentando vencer e conquistar as minhas coisas”, afirma Keliane. A trabalhadora, assim como muitos outros, não teve ajuda da empresa para a qual prestava serviços devido ao acidente que sofreu, devido à falta de vínculo trabalhista que existe nessa relação de trabalho por aplicativo.
“No que eu avisei que tinha sofrido o acidente, eles só falaram para que assim que eu pudesse me dirigisse até a Central onde ficam os pacotes para devolver os pacotes. Eu não tive ajuda nenhuma, e esse foi um dos motivos de eu ter saído dos aplicativos. Depois de duas semanas voltei a rodar, mas quando você fica muito afastado, não tem mais a mesma procura. Quando voltei, as viagens não estavam mais compensando, aí realmente eu tive que vender a moto”, explicou Keliane.
Reconhecimento
Mais conhecido como Sorriso, o motoboy Alessandro da Conceição veio a se transformar em um dos principais ativistas pelos direitos dos entregadores por aplicativo e liderou uma série de mobilizações.
O trabalhador afirma que é uma grande emoção ter o cotidiano de sua categoria retratado no documentário. “É uma felicidade e uma honra muito grande poder estar lá. Nossa profissão gera bastante risco, a pandemia veio causando muito medo na sociedade por se tratar de uma doença muito contagiosa e perigosa. A gente levava remédios, comida, conseguia manter a economia”, afirmou Sorriso.
Confira o trailer do documentário aqui.