Escrito por: Marina Maria
No encontro, a Organização ouviu as dificuldades e reivindicações diretamente de entregadores e motoristas por aplicativo, além de estudos já realizados com essas categorias
Na noite dessa quarta-feira (14), o auditório Paulo Freire, na CUT-DF, foi cenário de um importante encontro entre trabalhadores por plataformas e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), representada pela relatora especial Soledad García Muñoz. A ocasião fez parte da agenda da passagem da Comissão pelo país, que tem como objetivo a coleta de dados para a produção de um relatório sobre a situação trabalhista e os direitos dessas e de outras categorias de trabalhadoras e trabalhadores precarizados. A agenda foi uma ação da CUT com o Movimento de Trabalhadores por Direitos (MTD).
“São os direitos dos trabalhadores mais invisibilizados os mais importantes para a nossa gestão”, afirmou Soledad, que é advogada especializada em Direitos Humanos, e assumiu a relatoria Especial para Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais da OEA em 2017.
Muñoz destacou que, na América Latina, existe um nível de informalidade muito profundo, com países que chegam a até 70% dos trabalhadores empregados sem vínculo formal. “Esse relatório tem a intenção de explicar a responsabilidade que o Estado e as empresas têm com os direitos dos trabalhadores. Agora, mais do que nunca, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Grupo de Trabalho que eu integro, são parceiros para vocês”, afirmou.
A ativista também falou sobre a parceria que a OEA tem com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e convidou os presentes a participar e divulgar a audiência pública sobre o Trabalho Informal nas Américas, que acontecerá no formato virtual e debaterá os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras por plataformas, catadoras e catadores de materiais recicláveis e trabalhadoras domésticas. “Será uma ocasião histórica, em que vamos colocar os direitos das pessoas invisíveis no centro da Organização”, afirmou Muñoz.
O pesquisador Ricardo Festi apresentou à Soledad os resultados da pesquisa e o relatório realizado pela CUT e a OIT sobre o trabalho de entregadores por aplicativo, que pode ser acessado aqui. O material foi elaborado por pesquisadores do Instituto Observatório Social, da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), durante 18 meses. Abrange entregadores do Recife (PE) e de Brasília (DF), com base comparativa nos dados nacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O presidente da CUT-DF, Rodrigo Rodrigues, também apresentou alguns materiais da campanha: "A gente não se entrega", realizada pela CUT em apoio às trabalhadoras e trabalhadores por aplicativo.
A carne mais barata do mercado
Nos relatos dos trabalhadores que compareceram à atividade, foi possível perceber uma grande consciência de classe e clareza das necessidades que cada categoria possui. Em comum, os entregadores e motoristas por aplicativos reclamam do total descaso das empresas, dos gastos que têm para trabalhar, das altas jornadas e dos baixos rendimentos, além da falta de direitos fundamentais, como ganho mínimo e auxílio em casos de doença ou acidente.
“A tecnologia não pode ser mais um instrumento de exploração do ser humano. Hoje, a carne mais barata do mercado é a do entregador e isso não pode acontecer. Se as empresas que já têm aporte no país há muitos anos, têm que pagar direitos ao trabalhador. Não entendo quem deu direito a essas empresas que vêm de fora não pagarem a CLT”, afirmou Wellington Professor, da Associação dos Trabalhadores por Aplicativo e Motociclistas do Distrito Federal (ATAM-DF).
O entregador ainda destacou a propaganda difamatória que as mesmas multinacionais promovem contra a CLT, responsável por grande parte da categoria afirmar que não quer carteira assinada.
“Apesar disso, quando você pergunta quais direitos eles querem, o que eles defendem é exatamente o que a CLT propõe. Então, trata-se de desinformação”, explicou Wellington.
Para Alessandro da Conceição, mais conhecido como Sorriso, ser motoboy é uma profissão de risco, que deveria ser remunerada e preparada como tal. O presidente da Associação dos Motoboys Autônomos e Entregadores do Distrito Federal (AMAE-DF), afirmou que as plataformas são cruéis com os trabalhadores e também que reconhece as tentativas do Governo em intervir na situação da categoria.
“Também é necessário investimento na profissionalização desses motoboys. É gasto muito dinheiro por causa dos acidentes. Também deveria ser gasta uma parte na prevenção e conscientização da categoria”, avalia Sorriso.
João Paulo, motorista por aplicativo, também criticou as plataformas e falou sobre sua experiência pessoal no trabalho. “São, no mínimo, 8 horas diárias para ter ganhos que garantem só mesmo o básico à sobrevivência. Sofri um acidente no aeroporto, onde capotei o carro, e não tive nenhum resguardo da plataforma, só me perguntaram se eu estava transportando passageiro no momento do acidente”, afirmou.
Duplamente precarizados
Abel Santos, da AMAE-DF, destacou que, no Brasil,a população tem dificuldade de acessar as políticas públicas de qualidade. Isso, consequentemente, faz com que os trabalhadores por plataformas tenham que pagar por serviços básicos à sobrevivência, como educação, saúde e moradia, por exemplo, o que consome maior parte dos ganhos da categoria.
“O direito humano faz parte disso, o que é básico e não estamos tendo acesso. Os trabalhadores são precarizados pela plataforma e pelo Estado, que não oferece essas políticas de forma acessível, e gera necessidade de passarmos mais tempo trabalhando para pagar o que deveria estar sendo oferecido pelo Estado às custas de nossa saúde mental e física”, afirmou Abel.
Além dos relatos desses e de outros trabalhadores por plataforma, a atividade contou com o representante do Washington Brasil Office, Paulo Abrão, da Assessoria Jurídica Nacional da CUT, que acompanha o GT no Ministério do Trabalho e Emprego sobre a regulação do trabalho em plataforma, representada pelo advogado Ricardo Carneiro e do secretário de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT-DF, Cleber Ribeiro Soares.