Escrito por: Brasil de Fato DF
"Colapso é negado pela própria pasta", afirma parlamentar após reunião com Secretaria de Saúde e Iges nesta segunda (27)
Deputados da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) apresentaram, nesta segunda-feira (27), um requerimento pedindo a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a gestão da saúde pública no DF. O pedido vem após um cenário de crise, agravado pela dengue, com uma série de falhas de atendimento, dentre elas as que resultaram na morte de quatro crianças em um mês.
O objetivo da CPI seria apurar a expansão, desde 2019, do Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF), responsável pela administração de três hospitais públicos e de 13 unidades de pronto atendimento (UPAs) no DF, inclusive a do Recanto das Emas, em que duas crianças perderam a vida recentemente.
“É urgente abrir a caixa preta da saúde no DF. Quatro crianças mortas, 356 vidas perdidas para a dengue. Estamos vivendo um apagão na gestão da saúde do DF e o poder legislativo precisa dar uma resposta a altura para a sociedade”, afirma o deputado Fábio Félix (PSOL-DF).
Para começar a tramitar, o pedido de CPI precisa ter oito assinaturas. Até o momento, quatro distritais assinaram o requerimento: Fábio Felix (PSOL-DF), Max Maciel (PSOL-DF), Dayse Amarílio (PSB-DF) e Gabriel Magno (PT-DF). Os parlamentares que já assinaram tentam agora convencer os demais membros da CLDF.
“A CPI é um instrumento importante pra gente entender a complexidade da saúde como um todo. Sobretudo da questão do Iges-DF, que foi apresentado à população como algo que melhoraria a vida das pessoas, e o que estamos vendo é justamente o contrário. Ainda mais porque o Iges tem levado boa parte dos recursos da saúde”, disse o distrital Max Maciel.
Para fundamentar a necessidade de uma CPI da Saúde, os distritais citam nove processos já em andamento no Ministério Público de Contas contra o IGES-DF, além de 29 recomendações feitas pelo Ministério Público do DF ao governo de Ibaneis Rocha (MDB).
GDF nega crise na saúde
Os deputados distritais que protocolaram o requerimento participaram, na tarde desta segunda (27), de reunião com a Secretaria de Saúde (SES) e o Iges-DF. Para Dayse Amarílio (PSB), o GDF segue negando a crise.
“Mesmo após essa reunião que foi convocada para hoje, a gente não consegue perceber uma sensibilidade do governo do Distrito Federal de que existe, sim, um momento muito difícil da saúde, um momento de colapso e de caos, que parece que é negado pela própria pasta”, disse após o encontro.
Há um déficit de 36% na frota de ambulâncias na rede pública de saúde. No dia 14 de maio, uma criança de um ano e oito meses faleceu na UPA do Recanto das Emas, administrada pelo Iges-DF, após esperar por mais de 12h por um veículo para ser transferida para a UTI de um hospital.
O serviço de transporte é terceirizado. A empresa responsável pela transferência é a UTI Vida, que teve seu contrato renovado com o GDF em abril deste ano, com validade até outubro de 2025.
“A Secretaria de Saúde contrata o Iges para prestar um serviço, que não está sendo entregue. É um serviço que contrata outro serviço, como o caso da UTI Vida, com contratos muito frágeis e contratos inclusive que não são cumpridos e não há penalidade”, aponta Dayse Amarílio.
“Há pouquíssimo investimento na própria LOA [Lei Orçamentária Anual] em relação à Atenção Primária, e a gente tem uma mudança de investimento para o próprio Iges, que se entende como um ente apartado da SES, o que não é verdade”, completa a deputada.
Requerimento de CPI aponta falhas na saúde pública do DF
O Iges-DF, criado em 2019, tem natureza jurídica de direito privado, o que, em tese, agilizaria os processos de contratação e a aquisição de bens e serviços para a saúde. Os parlamentares apontam que, no lugar da “suposta agilidade”, o que o Instituto produziu foi “maiores e mais frequentes escândalos de malversação de verbas públicas e de violações aos princípios da Administração Pública”.
No requerimento, os deputados afirmam ainda que a gestão compartilhada entre a SES e o Iges-DF “agravou problemas crônicos”, como a insuficiência de equipamentos, leitos e pessoal.
De acordo com o Mapa Social da Saúde, em que o Ministério Público (MPDFT) monitora a fila de espera da rede pública do DF, atualmente o tempo médio de espera para consultas e exames é de 136 dias – ou quatro meses e dezesseis dias. Para cirurgias eletivas, o tempo é de 138 dias.
A falta de medicamentos e insumos básicos também é frequente. Apenas neste ano, o Ministério Público de Contas pediu a instauração de três procedimentos relacionados à falta de insulina e de diversos outros medicamentos de alto custo nas Farmácias Especializadas e à carência de produtos necessários para o Programa de Terapia de Nutrição Enteral Domiciliar (PTNED)
O requerimento aponta também que em 2024 o DF atingiu a maior série histórica de mortes de bebês internados na rede pública: nos primeiros sessenta dias do ano, foram 65 óbitos.
Davidyson Damasceno/Iges-DF
“Não se pode alegar que esses problemas são desconhecidos ou inesperados”, afirmam os deputados. Segundo dados do Portal da Transparência, referentes a março deste ano, há um déficit de 25.133 profissionais no sistema público de saúde do DF, o que corresponde a 45,5% dos cargos existentes. O Sistema Único de Saúde (SUS), que deveria ter 55.430 profissionais, tinha apenas 30.297 vagas ocupadas.
“É preciso dar uma resposta para a população, com a nomeação de novos servidores, porque essa é uma demanda muito grande”, defende Gabriel Magno (PT). “Qual é a estratégia para ampliar leitos? Qual é a estratégia para corrigir o problema hoje do transporte? A secretária até anunciou na reunião que vai terceirizar um novo contrato, mas não consegue apresentar efetivamente o problema. O contrato que o Iges tem hoje é muito insuficiente, não tem nenhuma previsão de fiscalização do próprio Iges”, conclui o parlamentar em relação às questões que poderão ser investigadas na CPI.