Escrito por: Érica Aragão e Marina Maria
Por mais direitos, a Central e a IOS com apoio da OIT realizam oficinas para auxiliar na luta contra precarização
Seguro acidente, salário, repouso remunerado, auxílio doença, lugar para carregar celular, usar o banheiro ou mesmo para descansar entre um pedido e outro são alguns dos direitos negados pelas plataformas e que são as principais reivindicações dos entregadores de aplicativos. Foi este o tom da oficina “Organização, Direitos e Trabalho Decente para Entregadores por Aplicativos”, promovida pela CUT, Instituto Observatório Social (IOS) com apoio da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que aconteceu nesta quarta-feira (10), na sede da CUT Brasília.
A oficina é parte do projeto “Pesquisa, Organização e Fortalecimento dos Direitos e do Diálogo Social com os Trabalhadores de Aplicativos de Entrega em Brasília e Recife”, na qual comprova que os pilares do trabalho decente, como os direitos e princípios fundamentais do trabalho, a promoção do emprego de qualidade, a extensão da proteção social e o diálogo social, não estão sendo cumpridos, segundo dados do sumário executivo do estudo.
O secretário de Relações Internacionais da CUT Brasil, Antonio Lisboa, disse que o aumento do trabalho de plataforma tem crescido na mesma intensidade do trabalho precário e que a luta destes trabalhadores é mundial, mas que é preciso se organizar.
“Esta pesquisa é a primeira das Américas e será usada nos mais diversos espaços para contribuir com o debate. Esta forma de trabalho é uma nova forma de exploração e já existe um nível de demandas por direitos em todo o planeta, mas é preciso se organizar para garantir direitos e um trabalho digno e isso é um desafio dos trabalhadores e das trabalhadoras. A pesquisa e a oficina são justamente para pensar como faremos isso juntos”, afirmou.
Os entregadores compuseram a atividade relatando a realidade a qual estão expostos, as dificuldades do dia a dia e suas reivindicações, que passam por remuneração justa, criação de mais pontos de apoio, vínculo empregatício e até mesmo segurança e acesso à previdência. Além disso, a música dos Paralamas do Sucesso, Capitão de Indústria, foi tocada na oficina para dar clima ao debate, porque a letra fala sobre a exploração do capitalismo e a falta que as trabalhadoras e os trabalhadores sentem de ter tempo de ter ou de ser por trabalhar demais.
“Esta música, que fala sobre a falta de tempo de ser e de fazer algo além de trabalhar mostra como o capitalismo impôs regras e que os trabalhadores tinham que doar seu tempo em troca de salário com longas jornadas e muita exploração, mas davam o meio de produção e hoje não dão mais e isso é importante lembrar e discutir para pensarmos de onde viemos, onde estamos e o que a gente quer”, destacou a Secretária-Geral do IOS, Lucilene Binsfeld, conhecida com Tudi.
O presidente da CUT DF, Rodrigo Rodrigues, lembrou os desafios e a esperança das trabalhadoras e dos trabalhadores no surgimento da CUT, quando em 1983, fundou a Central para organizar a classe trabalhadora para enfrentar a revolução industrial a exploração exacerbada que acontecia no período.
“No próximo dia 28 vamos completar 39 anos de fundação da Central Ùnica dos Trabalhadores, que nasce em um momento de ressurgimento da democracia brasileira e também de avanço na industrialização do país. Naquela época, os trabalhadores eram contratados da mesma forma, o que há de novo é o avanço da tecnologia, mas o processo de exploração continua. Nesse tempo, temos feito muito para avançar, sobretudo na organização e mobilização da classe trabalhadora, mas o sistema capitalista está sempre inventando novas formas de burlar aquilo que construímos”, destacou.
O líder sindical também destacou a intensificação das perdas de direitos que acometeram os trabalhadores nos últimos anos e relembrou a construção do Ponto de Apoio ao Trabalhador, que hoje atende a diversas categorias, como garis, comerciários e entregadores. “Sabemos que não é o suficiente, não atende a todos os que precisam. Mas foi uma demonstração não só de solidariedade de classe, mas de que é possível fazer e é preciso ser feito”, destacou Rodrigues.
O professor doutor Ricardo Festi, do Grupo de Pesquisa Mundo do Trabalho e Teoria Social da UnB, apresentou brevemente a pesquisa que foi realizada sobre o perfil dos entregadores por aplicativo. "É muito importante este processo de compreensão da realidade para que possamos pensar a ação", destacou.
Ele ainda lembrou que a pesquisa concluiu que a renda média bruta da categoria é em torno de R $2400, o que com os descontos cai para R $1237, mas nem todos recebem isso. Para chegar a esse montante, a jornada dos trabalhadores chega a sete dias por semana e 13 horas diárias
“O DF é uma das regiões mais ricas do país com maior desigualdade social e isso se expressa na realidade dos entregadores”, afirmou Festi. De acordo com a pesquisa realizada, 92% dos entregadores são homens, solteiros, têm entre 19 e 30 anos e em sua maioria são negros ou pardos. 90% trabalham para o Ifood e muitos estão conectados em mais de uma empresa.
Juntos somos mais fortes
O entregador e presidente da Associação dos Motoboys Autônomos e Entregadores do Distrito Federal (AMAE-DF), Alessandro Conceição, mais conhecido como Sorriso, disse que é preciso achar uma saída juntos e juntas, porque só assim será possível avançar em direitos e na luta contra a precarização.
“É muito importante estarmos unidos nessa, porque se a gente não tiver união entre nós, nós não vamos chegar à lugar nenhum e a exploração, essa escravidão digital, vai continuar e nós não aguentamos mais isso. Juntos somos muito mais fortes e vamos buscar soluções para darmos um basta nessa situação, porque nossos colegas estão desgastados de tanto trabalhar e trabalhar cada vez mais e ganhar cada vez menos”, destacou.
O entregador João Ferreira Júnior, mais conhecido como Índio, afirmou que a questão dos acidentes de trabalho é um ponto muito sério e urgente para a categoria. “Temos um seguro do IFood que na prática não funciona. Muitos motoboys estão em casa com depressão, sem poder trabalhar porque estão fraturados sendo o único provedor em suas casas. Alguns que nem andar vão conseguir mais, não tem como entrar com pedido na previdência porque não tem vínculo, e a plataforma afirma que o entregador não estava fazendo entrega no momento do acidente”, relatou.
Índio sofreu na pele o descaso da plataforma, quando acidentou-se e teve o pedido de seguro negado mesmo com fotos que comprovam o ocorrido. “No site do Ifood tem as imagens, eu estou no chão com o pedido e é possível ver até a rota. Quebrei duas costelas, tive uma lesão tornozelo esquerdo por causa desse acidente, não recebi nenhum seguro do ifood, só recebi o descaso dessas plataformas com o trabalhador”, relatou.
O trabalhador conclamou os colegas presentes a mobilizar seus pares em defesa de mais direitos. “Que essa exploração acabe de uma forma ou de outra, que a gente possa se unir para se fortalecer cada vez mais contra essa exploração digital. Ou a gente luta para vencer a exploração ou seremos explorados pelo resto da vida”, afirmou Índio.
A gente não se entrega
Durante o oficina foi apresentada para as entregadoras e os entregadores por aplicativos a campanha de comunicação “A gente não se entrega”, que faz parte do projeto “Pesquisa, Organização e Fortalecimento dos Direitos e do Diálogo Social com os Trabalhadores de Aplicativos de Entrega em Brasília e Recife” e tem como objetivo se aproximar com a categoria e divulgar os resultados da pesquisa de forma mais dinâmica. Tem site, Facebook e Instagram.