CPI indica que Previdência é superavitária
Na semana passada, completou-se o primeiro prazo de trabalho da comissão parlamentar de inquérito (CPI) do Senado criada para investigar a situação das contas da Previdência Social brasileira. Idealizada em março, na esteira de uma série de manifestações em todo o país contra a reforma da Previdência, a CPI organizou um balanço do seu primeiro […]
Publicado: 19 Setembro, 2017 - 13h57
Escrito por: Leandro Gomes
Na semana passada, completou-se o primeiro prazo de trabalho da comissão parlamentar de inquérito (CPI) do Senado criada para investigar a situação das contas da Previdência Social brasileira. Idealizada em março, na esteira de uma série de manifestações em todo o país contra a reforma da Previdência, a CPI organizou um balanço do seu primeiro período de atividades e já deu início a uma nova etapa de audiências.
A CPI da Previdência foi criada pelo senador Paulo Paim (PT-RS), que assumiu a sua presidência, e surgiu com o objetivo de determinar se há um déficit na Previdência Social que seja motivo para uma reforma estrutural do setor.
Em quatro meses, a comissão realizou 24 audiências públicas, nas quais ouviu 114 representantes de diferentes áreas: sindicalistas, professores, advogados, empresários e autoridades públicas, entre outros.
Apesar de a CPI ainda ter dois meses de atividade pela frente, Paulo Paim afirma que já é possível concluir “sem sombra de dúvida” que a Previdência é, na verdade, superavitária, e que há uma falha na contabilidade oficial.
“(A partir) das audiências e no cruzamento dos dados, a gente tem certeza absoluta. Se os governos tivessem respeitado aquilo a que se destina a Previdência, que nós (constituintes) escrevemos, o superávit tranquilamente seria muito maior do que é hoje. E este governo respeita menos ainda”, afirma ele.
Déficit
O secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, foi ouvido pela CPI no último 17. Segundo ele, o caixa da Previdência fechou o ano de 2016 com um déficit de R$ 151,9 bilhões. A situação é ainda pior no caso do regime previdenciário dos servidores públicos. Além do déficit financeiro – também na casa dos R$ 150 bilhões – Caetano apontou para o déficit atuarial (diferença entre o que se espera receber e pagar ao longo da vida dos segurados) dessa modalidade, que já teria ultrapassado os R$ 6,6 trilhões. Para efeito de comparação, o PIB do Brasil em 2016 foi de R$ 6,2 trilhões.
Para Paulo Paim, no entanto, a situação não é bem essa. Ele destaca que a Previdência deveria receber financiamento vindo de várias outras fontes, não apenas das contribuições de trabalhadores e seus patrões. Quando essas fontes são incluídas no cálculo, a Previdência revela-se superavitária.
“Só que esse dinheiro todo não vai para a Previdência. Ele é desviado no meio do caminho para outros fins”, diz Paim.
Entre essas outras fontes estão a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), o Programa Integração Social (Pis), o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e repasses das loterias federais.
Os representantes do governo que falaram à comissão, no entanto, argumentam que todas essas receitas têm a determinação legal de custear a Seguridade Social, que é o “braço do orçamento federal dentro do qual está a Previdência. A Seguridade engloba, ainda, a saúde pública e os benefícios assistenciais. Dessa forma, os valores provenientes dessas fontes externas não podem ser creditados diretamente à Previdência.
Demografia
Com a reforma, o governo pretende sanar o que vê como problemas estruturais que prejudicam o desempenho da Previdência. Esses problemas se devem em grande parte, afirmou Marcelo Caetano, à demografia do Brasil. O secretário afirmou que a população está envelhecendo a um ritmo muito acelerado.
— Isso coloca um desafio substancial para o futuro do sistema previdenciário brasileiro, porque indica um número cada vez maior de pessoas em idade para receber o benefício comparativamente ao número de pessoas em idade para recolher as contribuições. Em função disso, faz-se necessária a adoção de políticas novas de previdência, de ajustes no sistema previdenciário, justamente para manter a sustentabilidade do regime e a garantia do pagamento das aposentadorias e pensões no futuro — advertiu o secretário.
Atualmente, os 17,6 milhões de idosos brasileiros representam 8% da população. A expectativa é que, em 2060, esse contingente chegue a 58,4 milhões, ou 27%. Hoje existem 12 trabalhadores contribuintes para cada aposentado; em 2060, segundo as previsões, serão apenas 4.
A CPI, no entanto, não confia nessas projeções. O balanço dos trabalhos da comissão as classifica como “frágeis e inconsistentes”, e lembra que o próprio IBGE aponta que a taxa de aumento da população idosa entrou em queda – ou seja, a quantidade de idosos continua crescendo, porém a um ritmo menor a cada ano.
Cobrança
Durante sua participação em audiência pública na CPI presidente da Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), Vilson Antonio Romero, reconheceu que é preciso promover ajustes à Previdência em decorrência das mudanças demográficas. Entretanto, ele afirmou acreditar que esse não seja o principal problema. Para ele, a estrutura fiscalizatória precisa ser aprimorada.
“Isso é evidente. Nós clamamos por isso. Quando, em 2007, foi unificada a receita previdenciária com a Receita Federal, havia 4.180 auditores fiscais da Previdência Social. Hoje nós temos somente cerca de 900 auditores dedicados a esse trabalho. É óbvio que foi deixado em segundo plano o trabalho de combate à sonegação previdenciária”, explicou.
A mesma situação é registrada na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, conforme explicou Achilles Linhares de Campos Frias, presidente do sindicato nacional dos procuradores do órgão (Sinprofaz).
“Existe um sucateamento deliberado da Procuradoria, que tem uma estrutura precária, não tem quadro de servidores. O procurador não tem quem faça consulta de dívida, quem localize o devedor, e na sequência, quando ele não é encontrado, quem procure os seus bens. A Procuradoria não tem mais condições de trabalhar, está sendo paralisada. Metade do orçamento, diminuído para este ano, já foi contingenciado — denunciou o sindicalista.
Segundo os dirigentes sindicais, esse quadro provoca um acúmulo de débitos não coletados, quadro que se agrava com os repetidos programas de anistia e refinanciamento de dívidas promovidos pelo governo federal em benefício a diferentes setores da economia. Assim, a arrecadação da Previdência não se recupera.
A dívida ativa da União, que abarca todos os valores devidos aos cofres públicos federais, ultrapassou R$ 1,8 trilhões ao final de 2016. Já a dívida ativa previdenciária fechou o ano em R$ 432,9 bilhões. No entanto, parte dessa dívida é considerada como de recuperabilidade remota – quando se refere, por exemplo, a empresas já falidas.
A parcela da dívida previdenciária que está fora do alcance dos procuradores é um ponto de discordância. O secretário Marcelo Caetano classifica dessa maneira mais da metade do montante. A Anfip, por sua vez, fala em pouco menos de 20%.
Gestão
O presidente da CPI da Previdência, Paulo Paim, já adiantou que a comissão deve produzir propostas legislativas destinadas a dar melhor estrutura para os auditores fiscais e procuradores da Fazenda e a criar instrumentos de aceleração da execução das dívidas. Ele disse também esperar que os debates joguem luz sobre os programas de refinanciamento, que classifica como “ideia maldita”:
“Se a convicção que a gente vai formulando diz que o problema é de gestão, é isso que vamos organizar. A conclusão vai ser nesse caminho: é só melhorar a gestão e executar a dívida dos grandes devedores”, resumiu.
A CPI não deve propor alterações ao projeto de reforma da Previdência. Isso porque o seu objetivo, explica Paim, é discutir os próprios fundamentos da reforma. O senador espera que, ao final das atividades, tenha conseguido convencer os colegas de que a reformulação da Previdência Social seria um equívoco.
“Não estamos discutindo a reforma da Previdência, estamos discutindo se tem déficit ou não. A reforma é um passo à frente. Este documento vai servir de subsídio para deputados e senadores perceberem que essa reforma, como está sendo proposta, não é necessária”, finalizou.
Fonte: Agência Senado
