Barreiras para organização sindical fragilizam cumprimento dos direitos das trabalhadoras domésticas
Atualmente o Brasil registra mais de 6,3 milhões de trabalhadoras domésticas. Cerca de 60% delas mulheres negras. Diante da pandemia do coronavírus e frente a um governo federal avesso a direitos de todos os tipos, a maioria dessas trabalhadoras se vê sem qualquer tipo de renda ou em constante risco de morte. Para além de […]
Publicado: 28 Abril, 2020 - 09h17
Escrito por: Vanessa Galassi
Atualmente o Brasil registra mais de 6,3 milhões de trabalhadoras domésticas. Cerca de 60% delas mulheres negras. Diante da pandemia do coronavírus e frente a um governo federal avesso a direitos de todos os tipos, a maioria dessas trabalhadoras se vê sem qualquer tipo de renda ou em constante risco de morte. Para além de uma conjuntura cruel, a vulnerabilidade dos direitos das trabalhadoras domésticas também encontra razão nas inúmeras barreiras impostas para realizar a organização da categoria.
“Quando um trabalhador faz uma denúncia contra uma empresa, o sindicato daquele trabalhador pode ir até a empresa verificar o que ocorreu. No nosso caso, não podemos. Sequer podemos chegar às portarias dos condomínios para levar o material para conscientizar as trabalhadoras domésticas”, disse a presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Luiza Batista, durante live realizada pela CUT-DF nessa segunda-feira 27, Dia Nacional da Trabalhadora Doméstica.
A dirigente sindical conta que a impossibilidade de fiscalizar os locais de trabalho das domésticas “dificulta ainda mais o trabalho do sindicato”, já que residências são espaços onde a entrada só é permitida com a permissão do morador, em caso de crime flagrante ou para prestar socorro.
Pernambucana, Luiza Batista diz que até mesmo o trabalho feito nas portarias de grandes condomínios vem sendo reprimido. “Aqui em Pernambuco, a gente faz boletins e vamos aos condomínios onde têm muitas trabalhadoras, e ficamos ali perto para distribuir. Aí um porteiro um dia chegou e disse: olhe, o síndico disse que se a senhora não sair daí de onde a senhora está, ele vai chamar a polícia, pois a senhora não pode ficar por aqui distribuindo propaganda de sindicato não.”
Também dirigente da Fenatrad Quiteria Santos, que também é dirigente do Sindicato das Domésticas de Sergipe, lembra que ações coletivas, como greve, também são inviáveis para as trabalhadoras domésticas. “Nós não podemos fazer greve. Como a gente vai se reunir para fazer greve? Vai chegar nos condomínios e fechar? Outras categorias podem. Chega numa fábrica, coloca um cadeado e ninguém entra. Mas trabalho doméstico é difícil até pra isso. Nosso trabalho é um trabalho de formiguinha”, afirma durante a live realizada pela CUT-DF a trabalhadora doméstica que ainda integra a direção da CUT e compõe a Marcha Mundial das Mulheres.
Segundo a técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Mariel Angeli Lopes, “o trabalho doméstico que nas crises anteriores aumentava por ser de custo baixo para o empregador, parou de crescer na crise que estamos passando agora, e isso coloca as empregadas domésticas em uma vulnerabilidade ainda maior”.
“Quando a gente analisa o rendimento, as trabalhadoras domésticas geralmente recebem 40% menos que as demais trabalhadoras”, relata a pesquisadora que também participou da live dessa segunda 27. Pelos dados do Dieese, o rendimento médio da trabalhadora doméstica em 2018 era de R$ 1.255 para as que tinham carteira assinada. Já as informais ganhavam em média R$ 766, menos que um salário mínimo (R$ 954 à época).
Sem aposentadoria
A informalidade que marca o trabalho doméstico também é peça-chave para a vulnerabilidade dos direitos dessas trabalhadoras. Isso é ainda mais grave quando se sabe que elas, segundo a técnica do Dieese Mariel Lopes, representam 14% de todas as mulheres que trabalham no Brasil.
De acordo com a pesquisadora, metade das trabalhadoras domésticas no Brasil não contribuem para a previdência social. “Elas estão inseridas no mercado de trabalho há muitos anos, grande parte delas começou a trabalhar ainda adolescente ou até criança. Vão chegando à idade avançada, não têm mais condições de trabalhar, têm dificuldade para conseguir emprego, geralmente têm doenças ocupacionais. Antes, já tinha dificuldade de se aposentar. Com a reforma da Previdência, no ano passado, a aposentadoria ficou ainda mais difícil, pois a idade de aposentadoria para a mulher aumentou”, diz Mariel Lopes.
A reforma da Previdência, uma das políticas mais centrais do projeto de Jair Bolsonaro, foi promulgada pelo Congresso Nacional em novembro de 2019. Com a reforma, a idade mínima para aposentadoria exigida para mulheres passou de 58 para 62 anos, associada ao tempo mínimo de contribuição de 15 anos. Mas para ter direito a aposentadoria integral, a mulher terá que contribuir por 35 anos.
Raça e gênero
Durante a live realizada pela CUT-DF no Dia Nacional da Trabalhadora Doméstica, a secretária de Combate ao Racismo da Central, Samantha Sousa, afirmou que a questão racial é um tema transversal ao direito e à luta das trabalhadoras domésticas. “A primeira morte registrada pelo Covid-19 foi de uma trabalhadora doméstica (Cleonice Gonçalves), negra e idosa, que trabalhava na casa de patrões que haviam chegado da Itália e que não quiseram dispensá-la do trabalho”, lembra a sindicalista para alertar que a doença gerada pelo novo coronavírus acaba sendo mais fatal para pessoas negras, que em maioria estão em situação de vulnerabilidade socioeconômica, sem condições de fazer isolamento social ou mesmo de manter os cuidados básicos para não se infectar.
De acordo a técnica do Dieese Mariel Lopes, no DF, mais de 80% das trabalhadoras domésticas são negras e menos da metade tem carteira assinada, se consideradas as mensalistas e diaristas. Metade das trabalhadoras domésticas são chefes de família e, grande parte, tem filho menor de nove anos. “São mulheres que têm que fazer uma jornada de trabalho exaustiva no emprego, normalmente de mais de 40 horas semanais, e, além disso, precisam cumprir jornada dentro de casa, cuidando das crianças, fazendo trabalho doméstico das próprias casas”, afirma.
A secretária de Mulheres Trabalhadoras da CUT-DF, Thaísa Magalhães, que mediou o debate, afirmou que a luta feminista também atravessa a luta das trabalhadoras domésticas. “Não basta apenas a solidariedade de gênero, tem que ter solidariedade de classe. Não é valido um ‘feminismo’ que só existe com suas próprias amigas, com aquelas que você considera iguais, enquanto a trabalhadora doméstica dentro da sua casa não tem o seu respeito, não tem a dignidade garantida. Feminismo só é feminismo de verdade quando gera empatia para todas as mulheres, para todas as trabalhadoras.”
Unir para vencer
Tudo indica que o impacto financeiro causado pelo novo coronavírus se prolongará após o fim pandemia. O futuro tenebroso, todavia, fortalece a unidade da categoria de trabalhadoras domésticas, que há 84 anos luta pela garantia dos seus direitos.
Direitos básicos como férias de 30 dias, estabilidade para a trabalhadora doméstica gestante e a proibição do desconto de alimentação e moradia foram garantidos há pouco mais de uma década, durante os governos do PT. O esforço agora é para que todos eles sejam mantidos. A estratégia das trabalhadoras domésticas é unidade.
“Mesmo de longe a gente não pode soltar a mão umas das outras. A gente tem que se fortalecer, porque depois da quarentena ainda vamos ter um período muito difícil nas nossas vidas, toda a classe trabalhadora”, afirma a presidenta da Fenatrad, Luiza Batista. Na mesma linha, Quiteria dos Santos completa: “Nunca desistam! O momento agora é de nos unir para nos fortalecer. A luta começou agora”.
“A CUT Brasília estará ao lado dessas trabalhadoras até que todas as mulheres tenham direitos, salários dignos e o mesmo respeito”, se compromete a secretária de Mulheres da CUT-DF, Thaísa Magalhães.
Fonte: CUT-DF

