Escrito por: Rafaela Ferreira, Brasil de Fato DF

Ato contra o PL da Gravidez Infantil reúne centenas em Brasília

A proposta que equipara aborto ao crime de homicídio tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados

Eline Luz

Centenas de pessoas foram ao Museu Nacional da República, em Brasília, na noite desta quinta-feira (13), em reação à aprovação da tramitação em regime de urgência do Projeto de Lei 1904/2024, que equipara aborto a homicídio na Câmara dos Deputados. A proposta conhecida como "PL da Gravidez Infantil" equipara o aborto realizado acima de 22 semanas de gestação ao crime de homicídio, podendo a vítima ser presa por 20 anos.

A mobilização contra o projeto de lei também lembrou que, no Distrito Federal, a cada 14 horas, uma menina ou mulher é vítima de estupro. No Brasil, a cada 1 minuto, duas meninas ou mulheres são vítimas de estupro.

Segundo a secretária de Mulheres da Central Única dos Trabalhadores do DF (CUT-DF), Thaísa Magalhães, a manifestação mostra que as mulheres atenderam ao chamado de diversas organizações feministas e sociais. "As mulheres se solidarizaram com a urgência de colocarmos o bloco na rua para dizer não ao PL da gravidez na infância", disse Thaíssa.

Na prática, o projeto põe em risco o direito ao aborto legal no país. No Brasil, a interrupção da gestação é permitida em caso de estupro, de risco de vida ou de anencefalia fetal, independentemente da idade gestacional.

Ato em Brasília pressiona Arthur Lira a não avançar com 'PL da Gravidez Infantil'

Segundo a pedagoga Leila Rebouças, a discussão dessa pauta, na Câmara dos Deputados, representam uma negociação sobre corpos femininos. Ela ainda lembra que, em anos eleitorais, como é o caso de 2024, onde serão realizadas as eleições municipais, pautas conservadoras voltam a ser debatidas no Congresso. "Essa é mais uma estratégia de colocarem essas pautas para negociarem votos", disse.

"Não é uma novidade, infelizmente. A gente [movimentos feministas] espera que a população entenda que é um retrocesso muito grande esse projeto. Eu sou mãe, eu sou vó de uma criança de nove anos. Se essa minha neta foi estuprada, ela vai ser condenada, presa e ela ainda vai ser obrigada a ter um filho de um estuprador. Isso é impossível. Isso é uma coisa que só nós mulheres sentimos: nossos corpos violados o tempo todo", disse Leila.

Centenas de pessoas foram ao Museu Nacional da República, em Brasília, em reação ao PL1904/2024 que tramita na Câmara dos Deputados/ Foto: Eline Luz


Toda relação sexual com crianças menores de 14 anos é considerada estupro pelo legislação penal. Ao Estado cabe garantir o acesso ao aborto seguro para essas vítimas. Em 2022, foi registrado o maior número de estupros e estupros de vulnerável da história, com 74.930 vítimas, de acordo com o 17º Anuário de Segurança Pública. Seis em cada dez vítimas são crianças com idade entre 0 e 13 anos. 

A psicóloga e residente em Saúde Mental Infantojuvenil, Marília Carvalho, lembra que, atualmente, a pena para aborto, no Brasil, é de um a três anos, já a pena de estupradores de mulheres adultas é de seis a 10 anos. Ela destaca também que o objetivo da proposta é transformar essa pena para seis a 20 anos. "Uma mulher que aborta, após de 22 semanas, vítima de um estupro, ela pode ficar mais tempo na cadeia do que um homem que praticou o ato. Essa lei, ela vai de mãos dadas como os estupradores no sentido de que não há um projeto que dê conta dessa cultura do estupro que defenda as crianças", disse Marília.

"Eu estava vindo para cá e eu vi uma criança na rua vendendo bala. O Congresso está preocupado com as crianças em situação de rua? Com as crianças que estão em vulnerabilidade? Após o parto dessa dessa criança, ela vai ser assistida? São todas essas questões que a gente leva em consideração quando falamos que não dá para defender esse projeto de lei", informou a psicóloga.

Tramitação na Câmara dos Deputados

Por meio de uma manobra do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), a urgência para votação do PL 1904/2024 foi votada nesta quarta-feira (12) de maneira simbólica e os parlamentares contrários ao projeto não tiveram a possibilidade de realizar manifestação contrária. Arthur Lira pautou a matéria sem aviso e sem anunciar o número do projeto. O presidente pediu orientação de bancada para o Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ), que não respondeu, e considerou a urgência aprovada em apenas 23 segundos.

Com a aprovação, o PL 1904/2024 será votado no plenário da Casa, sem passar antes pelas comissões pertinentes, o que deve acelerar a tramitação da matéria que já conta com o apoio de parlamentares de direita.

Para Iuri Buarque, servidor público da educação, o projeto é um "ato criminoso" que foi aprovado na Câmara. "Esse projeto de lei ele simplesmente subverte completamente a lógica e pune a mulher que é estuprada, por exemplo, com mais rigor e gravidade do que pune ao próprio estuprador", afirmou.

"Estou aqui com a minha filha, no ato, lutando por ela e por todas as mulheres, como é dever de cada um de nós. Precisamos de mais movimento como esse para barrar esse retrocesso como esse que tá tentando ser empurrado no Congresso Nacional. Isso é um absurdo não pode ser admitido e todas e todos precisam se mobilizar juntos contra uma um ato criminoso desses", explicou Buarque.