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Artigo

O Direito à cidade e a privatização de Brasília

Publicado: 06 Outubro, 2023 - 00h00 | Última modificação: 10 Outubro, 2023 - 15h09

A cidade em formato de avião, projetada para todos e todas, está prestes a ser a cidade da exclusão, com o aprofundamento das privatizações. Além de excluir ainda mais a classe trabalhadora da capital, isso fará decolar a desigualdade social, o desemprego e os preços, na contramão do Brasil. 

Anda a passos largos a concessão da gestão de espaços públicos utilizados diariamente pela classe trabalhadora do DF, como a Rodoviária do Plano Piloto; a Galeria dos Estados; os estacionamentos do Conic e das estações do metrô e BRT, em todo o DF, além dos estacionamentos comerciais e residências das regiões do Plano Piloto, Sudoeste, SIG e SIA.

Em julho deste ano, o projeto de privatização da Rodoviária do Plano Piloto do governador Ibaneis Rocha teve o aval do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). A concessão depende agora de aprovação da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), último passo a ser dado também para a privatização da Galeria dos Estados.A ideia é que a gestão desses espaços seja feita por uma empresa privada por, pelo menos, 20 anos.

Já a privatização dos estacionamentos públicos depende apenas de aprovação do TCDF. Determinado por uma canetada de Ibaneis Rocha, a ideia é deixar a gestão desses espaços também por duas décadas nas mãos de uma única empresa privada. Serão 20 anos sem podermos reavaliar esse projeto.

Os impactos da aplicação desse projeto privatista para a população nós já conhecemos na privatização da CEB e da Saúde. Os serviços pioraram, o preço da energia só aumentou e os trabalhadores desses setores estão cada vez mais precarizados.

Definitivamente, não são os moradores do Lago Sul que utilizam a Rodoviária do Plano Piloto. Por ali, transitam trabalhadores, estudantes, pessoas que se locomovem em busca de emprego e de serviços públicos. Nesse espaço, elas não só embarcam e desembarcam, como também almoçam, lancham, compram produtos que saem mais em conta do que em lojas convencionais.

Ao colocar a gestão da Rodoviária nas mãos de empresas privadas, uma das consequências será o aumento dos preços dos serviços. O pastel com caldo de cana, a marmitex, o salgado com refri não caberão mais no bolso das mais de 650 mil pessoas que passam por ali todos os dias.

Os eventos culturais gratuitos realizados na Galeria dos Estados também serão enterrados com a privatização do espaço. Atender a população sem cobrar não gera lucro e, portanto, não interessa às empresas que farão a gestão de espaços públicos para acumular ganhos, capital privado.

Com o projeto de privatização de estacionamentos públicos do governador Ibaneis Rocha, o motorista deverá pagar taxas que custam até R$ 3 a hora, seja no comércio, nas áreas residenciais ou nos estacionamentos do metrô, como na Feira do Guará. E esses valores serão reajustados anualmente.

Nesse último caso, a pseudojustificativa do GDF é a necessidade de realizar o serviço de estacionamento rotativo, fazendo os motoristas retirarem seus carros das vagas de tempos em tempos. O governador diz que isso irá reduzir os congestionamentos, aumentar a rotatividade na utilização das vagas e, pasme, incentivar a utilização do transporte público.

Quem anda de ônibus e metrô no DF sabe em que condições o passageiro chega até o destino, após um dia cansativo de trabalho. Agora, imagine quando ainda mais pessoas precisarem utilizar esses transportes porque o pagamento diário de taxas de estacionamento não cabe no bolso. Isso porque o projeto não está atrelado a nenhuma melhoria no quantitativo de transporte coletivo para o DF e nem à redução das tarifas dos ônibus e metrô.

Não para por aí.

Os projetos de privatização de todos esses espaços não definem o que será feito com os pequenos empreendedores e trabalhadores autônomos que atuam nessas regiões. Isso abre margem para que se cogite a substituição desse tipo de comércio por grandes franquias.Perdem os pequenos empresários, perdem os trabalhadores dessas pequenas empresas e perdemos todos e todas nós.

E quem ganha com a privatização dos espaços públicos do DF? Ainda não se pode bater o martelo sobre o que está nesta caixa de pandora. Mas há indícios. Basta analisar a relação amigável do governador do Distrito Federal com empresários de grande porte Brasil afora.

É preciso lembrar que a tentativa de privatizar espaços públicos do DF já foi bandeira de outros governadores do DF. Mas a população se mobilizou e freou as iniciativas.Essa luta precisa ser feita novamente e quantas vezes forem necessárias.

O direito à cidade dialoga com o direito à vida digna, com o acesso aos equipamentos e serviços públicos, com o exercício da cidadania. Isso quer dizer que defendemos que a cidade seja configurada enquanto um espaço justo, democrático, inclusivo e humano, conforme projetado por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa.

Privatizar os espaços públicos é a negação do projeto de Brasília, é negar o direito à cidade, é criar uma cidade para poucos e para ricos.

*Henrique Rodrigues Torres é professor da rede pública de ensino do DF e Secretário de Meio Ambiente da CUT-DF